17.11.19

Grande Angular - Imigrantes

Por António Barreto
Já se percebeu que a imigração (incluindo todos os tipos possíveis: trabalhadores legais e ilegais, familiares de residentes, europeus, africanos, asiáticos, permanentes e temporários, refugiados e perseguidos) é um dos mais complexos factores de instabilidade na Europa, um dos mais sérios perigos para a paz e a estabilidade europeias e uma ameaça para a cultura e o desenvolvimento. Seja pelo que a imigração, em certas condições, pode trazer consigo. Seja pelas reacções de tantos europeus contra a imigração. Nenhum país europeu tem actualmente uma política mais ou menos consensual (pelo menos clara, durável e maioritária) relativamente à imigração, nem os países europeus se conseguem entender entre si para uma política comum. A imigração é um dos grandes factores de divisão nacional e da Europa.
A imigração em Portugal tem sido objecto de debates esporádicos, mas de conclusões erráticas, geralmente dominadas pelas questões políticas e europeias. Verdade é que Portugal não se pode orgulhar de ter uma política de imigração conhecida e estável. Navega ao sabor das primeiras páginas e das emoções das fotografias publicadas. Acompanhamos à distância o que se passa no Mediterrâneo (onde a Marinha portuguesa colabora com eficiência no patrulhamento daquele mar e no resgate de náufragos), sabemos das questões políticas que aquecem a Itália, a França, a Turquia e a Hungria e pouco mais. O país vai recebendo africanos e brasileiros, indianos e nepaleses, romenos e ucranianos, em quantidades incertas, em condições ainda mais confusas e com legalidade muito relativa.
Os últimos meses têm sido férteis em notícias demográficas. Ficámos a saber que a população portuguesa está a diminuir (além de envelhecer muito depressa). Que dentro de poucos anos voltaremos a ser menos de 10 milhões. Que o saldo natural (nascimentos menos óbitos) é negativo. Que a natalidade é muito baixa. Que o saldo migratório é positivo (entram mais imigrantes do que saem emigrantes). Que aumenta o número de estrangeiros que se naturalizam. E que continua elevado o número de emigrantes portugueses para o estrangeiro.
Há hoje, como revelam o Eurostat, o INE e o El Pais, suficiente evidência dos efeitos positivos da imigração para os países de acolhimento. A renovação demográfica contribui para o rejuvenescimento da população. A variedade da mestiçagem é um elemento positivo para a abertura das sociedades. A imigração está directamente ligada ao desenvolvimento social e económico e contribui para o aumento da produção, do rendimento e do crescimento, assim como para o reforço da segurança social.
Há estatísticas suficientes em toda a Europa que mostram como os imigrantes, em geral, deram um enorme contributo para o crescimento económico. Sem eles, muitos dos países europeus teriam crescido, desde os anos 1980, menos 20% a 30% do que realmente cresceram.
Há também, para os países de acolhimento, sinais de efeitos negativos da imigração. Agrava o descontrolo dos movimentos de população. Está muito ligada ao tráfico de mão-de-obra. Permite com frequência uma excessiva exploração salarial e laboral. Provoca reacções de recusa, assim como estimula o preconceito e o racismo de ambos os lados. É fonte de conflitos étnicos e religiosos. Favorece a coexistência conflituosa de dois ordenamentos jurídicos ou de duas legalidades rivais. Permite facilmente a criação de verdadeiros guetos. Encoraja o confronto violento de costumes contraditórios.
Há ainda experiência indiscutível noutros domínios. Os imigrantes, em Portugal e em toda a Europa, têm piores empregos, mais baixos salários, são mais precários, têm piores apartamentos e habitações, têm mais desemprego, menor formação profissional, menos educação e serviços de saúde em piores condições.
Necessitamos da imigração. É bom para renovar a população. Cultiva a mestiçagem, que é o nosso futuro, tal como afirmava De Gaulle. É bom para a variedade, a cultura e a economia. É bom para os direitos humanos e para a solidariedade. Nós ganhamos com a imigração. “Nós” somos os Europeus de origem ou naturalizados, de todas as cores, de várias crenças, residentes, eleitores e contribuintes. Há dados em toda a Europa que sustentam que os imigrantes não ficam com os “nossos” apartamentos, não casam com as “nossas” mulheres, não se apropriam dos melhores empregos, não têm mais subsídios sociais, não gastam em bares da noite os subsídios de desemprego…
Tudo leva a crer que, para evitar problemas graves, seja necessário controlar, tanto quanto possível, os fluxos migratórios; estabelecer quotas indicativas de imigrantes, segundo as origens e as profissões; ser extremamente firme na repressão à imigração ilegal e só tolerar a legal; castigar severamente todas as redes de tráfico de trabalhadores; reduzir à verdade a noção de refugiado político.
Parece impor-se a recusa da política de portas abertas, receita para enormes desastres políticos, como se vê em vários países europeus. Assim como a recusa da política da fortaleza fechada, prejudicial para a demografia, a economia, a cultura e os valores da liberdade.
Tentar controlar a imigração e manter a sua legalidade são acções das autoridades. Mas importa também, evidentemente, que as sociedades consigam contrariar a importação dos valores da violência e do fanatismo religioso, que se contam entre as piores ameaças da liberdade. O que significa também não importar o machismo, a submissão da mulher, o tráfico de mulheres menores e de crianças, a venda de mulheres e de jovens, o casamento compulsivo, o poder paternal com direito a uso de violência, a pena de morte, as penas de apedrejamento e amputação, os castigos públicos, as decapitações sumárias, a excisão, a infibulação, todas as formas de mutilação ritual, a escravatura sexual, o tráfico de prostitutas… 
Será Portugal, serão os países europeus e será a Europa capazes de evitar o fanatismo dos defensores da imigração e a intolerância dos inimigos dos imigrantes? Verdade é que já há no mundo democracias ameaçadas ou suspensas nas quais a questão das migrações é central. Não faltam a violência e os muros. Não é só entre os Estados Unidos e o México, entre Israel e a Cisjordânia, entre a Hungria e a Sérvia ou entre a Macedónia e a Grécia. É também na Polónia, na França, na Itália, na Turquia, na Rússia, no Brasil ou na Colômbia. Se não nos adiantamos, chegará também, um dia, a nossa vez!
Público, 17.11.2019

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