Matutando em reflexões da morrinhanha
Por Joaquim Letria
Anatole France escreveu que uma coisa que torna fascinante o pensamento humano é a inquietação. Da inquietação à curiosidade vai um curto passo. A curiosidade, no dizer de Catalina, é quando se ouve o que se propõe saber, mas quando se escuta, chega-se a saber muitas vezes mais do que aquilo que nos propúnhamos ouvir.
Para se tirar bom proveito daquilo que a curiosidade nos faz saber, a razão é indispensável, desde que se manifeste e utilize de forma viva, dinâmica, inquisidora e meditabunda, de modo a assimilar os conhecimentos de forma a calar e conservar a sua intimidade.
O contrário da razão em repouso (“a infância é a razão do repouso”, Jean Jacques Rousseau) é a característica da infância. O que chamamos de inocência, que “como a luz da aurora resplandece pela manhã ao nascer o sol sem nuvens”.
Inocência e razão, infância e maturidade compõem o binómio de que está formada a maravilha a que chamamos género humano. É curioso, por outro lado, como o homem sempre quis minimizar, até mesmo apagar, os melhores exemplares de si próprio. Essa qualidade pode sintetizar-se, e convém para esta reflexão, num centro comum que classificamos de modéstia, verdadeira ou falsa, que acabamos por definir como se tratando de virtuosa humildade.
Dizia Boileau que a humildade se verifica quando “o mais sábio é aquele que nem remotamente pensa em vir a sê-lo“. Humildade, para os latinos, é quando “ninguém é sábio em todas as ocasiões“. E Séneca sentenciava que “humildade é quando se pode ser sábio sem vanglória nem inveja”. Sócrates, que também se deu ao trabalho desta reflexão, criou um pensamento defensivo que nos chega até hoje: ”só sei que nada sei”.
Em síntese e à luz da nossa tradição judaico-cristã, é a sabedoria que garante que “quem se humilhe será exaltado”. E como profetizou o livro de Job “viverá sem glória”.
Muita gente, tal como Afonso Karr, não acredita em nenhum sábio até o ouvir dizer três vezes “duvido” e duas ”não sei”. Se a terra pertencerá aos humildes, por que não brincarmos “à razão do repouso”, que nada tem a ver com “o repouso da razão”? Poderemos então ser todos felizes ao guardarmos muito do que sabemos de outros na nossa cordial intimidade.
Publicado no Minho Digital
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