18.3.20

No "Correio de Lagos" de Fev 20

«Não há nenhuma arte que um governo aprenda tão depressa como a de sacar dinheiro do bolso dos contribuintes» - Adam Smith (1723-1790)
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I - Há uns anos, estava eu a saborear as delícias campestres numa aldeia do interior, quando tomei conhecimento de que, devido à “gripe das aves”, o governo determinava que quem tivesse “criação” devia dirigir-se à respectiva Junta de Freguesia e fazer a declaração de galinhas, patos e afins, sob a ameaça de terríveis multas. 
Ora, essa povoação, que em 1980 ainda nem sequer tinha electricidade, ficava a uma boa meia dúzia de quilómetros da vila mais próxima — onde teria de ir quem quisesse aceder a luxos como escola, comboio, correio, C. de Saúde, banco, farmácia, C. Municipal ou J. de Freguesia — mas, para lá chegar, os únicos transportes públicos de que poderia dispor eram uma camioneta (semanal!) e um táxi — que, neste caso, teria de chamar, numa época em que telemóveis e telefones fixos se contavam pelos dedos das mãos.  
Mas feita então a viagem, e uma vez cumpridas as determinações governamentais, as pessoas regressariam à sua terra, onde viriam a descobrir que a declaração acabada de fazer já estava desactualizada — pois, entretanto, teriam nascido seis pintos e um peru fora atropelado. Ah, mas o legislador previra isso, pelo que informara o seu povo que tudo se poderia fazer pela internet, apesar de ninguém fazer a menor ideia do que isso era.
Assim sendo, o que é que fizeram as pessoas dessa terra (e das outras em redor)? Pelo que pude constatar, não fizeram rigorosamente NADA, limitando-se a esperar que passasse o “vento da maluquice”.
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II – Vem tudo isto a propósito do que se anuncia para os donos de cães, gatos e furões (!) que, sob a ameaça das inevitáveis penalidades, deverão providenciar para que, algures no cachaço dos seus companheiros, seja inserido um cilindro com 10,9 mm x 1,6 mm, um ‘micro-chip’ que mostrará, a quem disponha de um leitor apropriado, um número de 15 algarismos. E é esse número que vai figurar no Sistema de Informação de Animais de Companhia, base-de-dados onde o veterinário preencherá umas dezenas de campos relativos ao bicho e ao respectivo proprietário — um processo que (se não for preciso fazer mais nada, como vacinas obrigatórias, p. ex.) custará uns € 25 por animal. A juntar a isso, os donos ainda terão de possuir os “Boletins Sanitários”, uns livros maneirinhos onde constam os registos das vacinas, desparasitações, etc.
Acham que tudo fica por aí? Então estão muito enganados, pois o legislador pretende ainda que os donos se dirijam à sua Junta de Freguesia, TODOS OS ANOS, para pagar uma TAXA — sequela da inenarrável “licença de isqueiro” que, tendo nascido em 1937, morreu de ridículo em 1970. Ah! E quanto ao que terão de fazer se o bicho morrer ou mudar de dono, consolem-se com o que dizia Jô Soares: «Burocrata tem de viver... Filho de burocrata tem de comer...»
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III — Dizem-me que as autarquias poderão vir a fornecer o serviço de implantação do ‘chip’, de forma gratuita para quem não o puder pagar. A intenção é boa, e cá estarei para ver como isso será feito, nomeadamente em terras como a que referi; e, já agora, como será a fiscalização dos cães que andam por aí em flagrante desrespeito pelo DL 314/2003 que estipula, nos seus Artigos 7.º e 14.º, coimas que vão desde €25 a uns delirantes €44890 — «contra-ordenação punível pelo presidente da Junta de Freguesia da área da prática da infracção» (sic), aplicável a quem não acatar a «obrigatoriedade do uso de coleira ou peitoral e açaimo ou trela» (sic).  Mas tudo bem; «Cão-fiemos!», como diria o saudoso Tóssan.

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