UMA ABORDAGEM AO METAMORFISMO E ÀS ROCHAS METAMÓRFICAS
Por A. M. Galopim de Carvalho
À atenção dos professores.
Nota prévia.
Ao cumprir o capítulo do programa oficial referente ao metamorfismo e às rochas metamórficas, o professor, ainda que ao nível das generalidades, tem de saber do que é que está a falar. Só assim, um micaxisto, um anfibolito, um mármore ou um gnaisse, entre outras rochas metamórficas mais comuns, deixam de ser pedras, apenas mais umas pedras com um nome destituído de significado (e, até, de beleza) simplesmente memorizado, predestinado a esquecer, passado que seja o exame final.
Acrescente-se que esta advertência é válida para o magmatismo, sedimentogénese e respectivas rochas.
O quartzo das areias e dos arenitos, as argilas dos argilitos, dos xistos argilosos e das ardósias, a calcite e a dolomite dos calcários e todos os outros minerais próprios da actividade geológica de superfície (também dita supergénica) podem, em certos casos, mergulhar, incluídos nas respectivas rochas, para níveis mais ou menos profundos da crosta onde vão permanecer durante milhões e milhões de anos, sujeitos a pressões e a temperaturas mais elevadas do que aquelas em que tiveram nascimento, arrastados na sequência do processo de subducção ou envolvidos no interior de uma cadeia orogénica.
As rochas magmáticas, formadas a temperaturas relativamente elevadas, e as rochas sedimentares, geradas à superfície da crosta a temperatura relativamente baixas, representam situações extremas das condições térmicas naturais realizáveis na litosfera. No decurso da evolução da litosfera estes dois tipos de rochas ficaram por diversas vezes sujeitos a condições intermediárias daqueles dois extremos, passando também a estar sujeitos a pressões diferentes das reinantes nos respectivos ambientes que lhes deram origem.
Também no contacto com um corpo magmático, superaquecido, os minerais das rochas sedimentares tendem a transformar-se noutros, compatíveis com as condições químicas e térmicas que aí encontram. Diz-se então que há metamorfismo. Os materiais líticos resultantes destas transformações são as rochas metamórficas ou metamorfitos, tendo os novos minerais que as integram e caracterizam nascido à custa dos elementos químicos dos minerais das anteriores rochas de que resultaram.
Num esquema muito genérico pode dizer-se que do oxigénio, do silício, do alumínio, do potássio, do magnésio, do cálcio e de algum ferro, constituintes das argilas, nascem as sericites e as clorites e outros filossilicatos dos filádios (xistos luzentes), a moscovite e a biotite dos micaxistos, ou o talco dos esteatitos. Ainda do oxigénio, do silício e do alumínio das argilas surgem os grandes cristais (porfiroblastos) de andaluzite e de estaurolite dos chamados xistos porfiroblásticos. Vêm ainda das argilas o oxigénio, o silício, o alumínio, o potássio ou o sódio e o cálcio necessários à génese dos feldspatos renascidos nos migmatitos e que representam grande parte dos minerais das bandas claras dos bem conhecidos gnaisses como os do Passeio da Foz, no Porto. A situação paradigmática para descrever o metamorfismo é quase sempre a da evolução a partir das rochas sedimentares.
Um parêntese para dizer que o aumento da temperatura inerente ao metamorfismo não pode, por definição, atingir o ponto de fusão dos minerais mais fusíveis. Sempre que se ultrapassa este limite há fusão, ainda que parcial, e mobilidade de alguns, podendo manter-se como relíquias os de ponto de fusão mais elevado (mais refractários). Nesta situação o metamorfismo dá lugar ao magmatismo profundo, responsável, por exemplo, pela granitização, na qual rochas como os xistos acabam por se transformar em granitos, ou seja, no mesmo tipo de rocha de onde (por meteorização) vieram as argilas de que são constituídos esses xistos.
A dita situação paradigmática para descrever o metamorfismo a partir das rochas sedimentares acontece não só porque isso corresponde à situação mais frequente ao longo de toda a evolução da litosférica, como também porque corresponde à via mais pedagógica de abordar o problema. Não deve, porém, esquecer-se que qualquer tipo de rocha pode ser envolvido no processo metamórfico, seja ela um granito ou um basalto, seja ela uma qualquer rocha metamórfica. Neste caso, ou o novo referencial termodinâmico é mais intenso (temperaturas e/ou pressões mais elevadas) e a rocha progride no grau de metamorfismo relativamente ao que já tinha, ou passa a estar a pressões e/ou temperaturas mais baixas e, então regride, isto é, sofreu retrometamorfismo. Não deve ainda esquecer-se que uma mesma rocha original pode sofrer sucessivas fases de metamorfismo, bastando para tal que seja envolvida em outras tantas situações que o desencadeiem (uma orogenia, uma intrusão magmática, um megaimpacte meteorítico, etc.).
Os minerais próprios do metamorfismo são novas fases adaptadas às novas condições termodinâmicas e químicas do novo ambiente onde foram introduzidos e aí permaneceram o tempo geológico suficiente (dezenas ou centenas de milhões de anos), permitindo, através do seu estudo, conhecê-las. Com efeito, sabemos hoje, por via petrologia experimental, os valores das pressões e das temperaturas e o ambiente químico necessários à génese de cada um dos minerais, na medida em que os podemos sintetizar. Se nos dermos ao trabalho de fazer o compto dos minerais mais frequentes nos três grandes tipos de rochas, verificamos que há espécies exclusivas de um dado ambiente petrogenético tais como granadas, andaluzite, distena (ou cianite), silimanite, estaurolite, cordierite, epídoto, clorite, etc., nas rochas metamórficas, ou os diversos minerais das argilas (caulinite, atapulgite, ilite, sepiolite, etc.), nas sedimentares. O quartzo é, pois, como se pode facilmente constatar, um mineral bastante versátil, ocorrendo nos três grandes domínios petrogenéticos - magmático, sedimentar e metamórfico, do mesmo modo que a moscovite ou que a calcite, que tanto nasce da precipitação das águas saturadas em carbonato de cálcio numa estalactite, como da transformação de um calcário sedimentar no seu equivalente metamórfico, que todos conhecemos - o mármore - como, ainda, por via magmática, nos carbonatitos.
Sempre que, no interior da litosfera, uma determinada rocha fica sujeita a ambiente diverso daquele em que foi gerada, os seus minerais tornam-se instáveis face aos novos parâmetros termodinâmicos e químicos, podendo recombinar-se entre si, dando origem a outras associações compatíveis com o respectivo ambiente. As estruturas cristalinas dos minerais originais, bem como as texturas das respectivas rochas, sofrem rearranjos mais ou menos acentuados. Como resultado das reacções verificadas libertam-se água, certos componentes voláteis e determinados elementos com grande capacidade de escape que abandonam o corpo geológico em transformação, migrando daí para outras zonas, podendo, nalguns casos, aproximar-se da superfície.
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