UMA TRISTE HISTÓRIA DE NATAL
Por Joaquim Letria
Deviam estar à espera que escrevesse hoje uma crónica de Natal. Essa escrevi-a dia 18, com uma semana de avanço. Hoje, prefiro que pensemos no nosso espírito cristão. E reflictamos sobre um caso que bem nos devia envergonhar e magoar sempre e, muito em particular, nesta quadra.
Ihor Homeniuk era um ucraniano de 41 anos que teve dois sonhos proibidos, querer trabalhar e procurar emprego em Portugal, onde nem chegou a entrar. Torturado e assassinado numa salinha interior do aeroporto de Lisboa por inspectores do SEF, deixou mulher e filhos sem sustento e uma vergonha sem perdão a cobrir-nos a todos nós.
Ihor tinha documentos, bom aspecto e a única coisa que lhe faltava era uma autorização de trabalho para o nosso País. Protestando por não o deixarem entrar e o quererem despachar num avião para a Turquia, foi manietado e levado de modo a que o Diário de Notícias de 28 de Novembro explicou, citando uma das suas fontes: que ”quando os levam para a salinha é para a surra”. Surra tal que um dos quatro inspectores que “trataram” do Ihor foi ouvido a gabar-se de que “hoje já não preciso de ir ao ginásio”. Ihor foi algemado,espancado, torturado e deixado a morrer na salinha do aeroporto Humberto Delgado.
O caso só foi conhecido graças ao médico legista e a uma denúncia anónima de alguém de bom coração mas cheio de medo de dar a cara por temer represálias.
Quantos casos destes poderão já ter sido cometidos pelas nossas autoridades, temos o direito de perguntar e é o que vamos descobrindo. O silêncio de polícias e de políticos é vergonhoso. Mas não são só eles que têm culpas no cartório. Também nós soubemos e nada dissemos nem fizemos. A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, já há anos dissera que os aeroportos internacionais de Portugal eram, deste ponto de vista, verdadeira “no man’s land”. E até hoje ninguém quis saber de nada ou fazer alguma coisa.
Mas nós, portugueses, em geral, também nada fizemos. Protestámos mais contra o macabro assassínio de George Floyd pela polícia dos Estados Unidos do que abrimos a boca contra este crime miserável e vergonhoso cometido em nosso nome por agentes do Estado português.
O ministro da Administração Interna, que devia ter vergonha e demitir de imediato a direcção do SEF, os inspectores que mataram Ihor e aqueles que encobriram o crime, antes de sair ele próprio do Governo. Mas não senhor, continua de pedra e cal a coberto do primeiro ministro que tinha obrigação de intervir e também nada fez.
Agora falámos de condolências e de indemnizações. Mas antes, o Ministério Público, em nosso nome, não queria que o Estado indemnizasse a família da vítima, antes de alguém acabar por tomar uma decisão política em sentido contrário depois de sermos justamente enxovalhados pela União Europeia. Para além de todos nós termos sido cúmplices dum crime brutal cometido às mãos daqueles que nos representam e que nos envergonham na Europa e no Mundo, também nós fomos indignos nesta história muito triste que devemos recordar com sincera mágoa no Natal.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
4 Comments:
O acontecimento mais vergonhoso é indigno da nossa democracia! Perante tal barbaridade,o país pouco reagiu...eu pergunto;Quem somos ,o que somos?
Um caso que se não fosse denunciado (anonimamente, pasme-se!)ainda hoje andaria alegremente passando pelos pingos da chuva.
O que se seguiu condolências, indemnização
soam a cinismo, hipocrisia, oportunismo, falsidade, remendo e são de uma grande indignidade para as autoridades que continuam alegre e impunemente a alimentar ditos e não ditos, talvez esperando que o caso caia de maduro como é hábito. E a justiça de tão tardada corre o risco de falhar mesmo
Que triste história de Natal
Indignos, sim.
Bom Ano.
Abraço.
JB
Tem razão.A vítima era BRANCA por isso os habituais não se exaltaram.
De facto de cima abaixo falharam.
Não espanta, quando um 1º ministro e ministra mentem e atropelam as escolhas internacionais impondo um JOB que lhe dê garantias. Nada feito.Eles sabem que o lugar não será demovido após a ocupação.
Aliás é o Modus Operandi de COSTA. Só não vê quem se agacha.
Cumps.
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