7.4.21

No “Correio de Lagos” de Março de 2021

 

I — HÁ ALGUM tempo, de passagem por Sintra, deparei-me com uns quantos cartazes, legendados em inglês, cujo tema era a defesa dos direitos dos animais. Até aí, não haveria nada a dizer, pois a forma como uma sociedade os trata é um bom indicador do seu grau civilizacional. No entanto, o que neles chamava a atenção era a sua originalidade: nuns, classificava-se de ‘cruel exploração’ o uso de cavalos para tiro das típicas charretes turísticas — o que era ilustrado com uma imagem de um coche do tempo dos Filipes! Noutros, e pelo mesmo motivo, invectivava-se os praticantes de hipismo, intimando-os a passar a andar de bicicleta! Em complemento, alguém recorrera a pinturas murais mostrando uma vaca, com uma legenda em que ela exprimia a sua indignação por ser obrigada a fornecer leite aos seres humanos.

No entanto, e à parte o exagero de tudo isso, não custa a imaginar que, em tempos futuros, a nossa relação com os animais venha a ser radicalmente diferente da que é hoje em dia, e até pode suceder que a Humanidade se converta ao vegetarianismo. Mas, se assim for, também os seus praticantes virão, numa época posterior, a estar debaixo de fogo, porque terão de matar (ou, pelo menos, mutilar) plantas — que são seres vivos de pleno direito — e, nessa altura, não sei de que é que os humanos se alimentarão, pois também não será curial comer mel, nem ovos nem queijo, para não explorar os animais que estão na sua origem.

Claro que nessa época já por cá não andaremos, mas de uma coisa podemos estar certos: cada um desses grupos do FUTURO insultará a memória dos do PASSADO. E tal como, há uns meses, umas quantas boas almas derrubaram a estátua de Churchill, vandalizaram a do Padre António Vieira e achincalharam a do Infante, é bem possível que a “gente do futuro” se dedique a destruir tudo aquilo que mostre humanos a servirem-se de animais — começando pelas estátuas equestres, claro, mas não poupando, sequer, as imagens da Sagrada Família a caminho do Egipto... à custa de um pobre burrinho.  

Aliás, quando se trata de analisar actos de uma época com critérios de outra, muito distante, acabamos a falar dos que actualmente se arrogam a superioridade moral de julgar personagens de outros tempos — como o Infante, falecido há mais de 560 anos —, como se os factos em que estiveram envolvidas houvessem ocorrido na semana passada.  Curiosamente, os portugueses que andaram, a partir do séc. XV, a caçar e traficar africanos tiveram bons professores, pois já no século anterior sucedia o inverso, não apenas em todo o sul da Europa, mas até mesmo na nossa terra, pois os piratas caçavam, no mar e em terra, os nossos antepassados lacobrigenses para os venderem como escravos nos mercados do Norte de África — tendo até sido por isso que se fizeram, ao longo da costa, inúmeros fortes, como tantos que temos debaixo dos olhos.

 

II — QUANDO, recentemente, um deputado do PS defendeu que o Padrão dos Descobrimentos devia ser destruído, apenas pretendia que falassem de si, mas o certo é que não é impossível que um dia isso venha a acontecer. De qualquer forma, e se, para seu desgosto, os talibans do futuro tiverem de abdicar do uso da dinamite (para não assustar os turistas ou devido a uma eventual lei do ruído), poderão sempre contentar-se com algo simbólico, como remover a estátua do Infante da posição de destaque que agora ocupa, e até arrancar os milhares de metros quadrados de calçada portuguesa ali existente — dado que o seu desenho , “Mar-Largo”, remete directamente para as navegações marítimas. O único problema é que não serão originais, pois muitos anos antes deles já houve quem fizesse o mesmo, desviando do seu lugar de relevo uma outra estátua desse Infante (e até do mesmo autor e do mesmo ano), como fazem aquelas famílias que escondem das visitas um parente idoso de que se envergonham — ainda que ele, mesmo depois de morto, valha incomensuravelmente mais do que os seus familiares todos juntos.

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