17.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

P’ rá mentira ser segura / E atingir profundidade, / Tem que trazer à mistura / Qualquer coisa de verdade.
(António Aleixo)
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I — NO SEU livro Boatos, o Meio de Comunicação Mais Velho do Mundo, Jean-Noël Kapferer explica que um boato se propaga como fogo em seara seca porque há uma complementaridade entre os seus “transmissores” (que pretendem mostrar que estão por dentro de algo a que só alguns “eleitos” têm acesso) e os correspondentes “receptores” que, pelo mesmo motivo, se apressam a fazer a sua parte na propagação da informação.

II — MUITOS ainda se recordarão do boato segundo o qual um restaurante muito famoso de Lisboa servia carne de cão. E, apesar de já ter passado mais de meio século, ainda hoje não falta quem se lembre, até, do nome do estabelecimento — e talvez pense, lá no fundo, que “não há fumo sem fogo”. Imagine-se, agora, que esse mesmo boato, em vez de se propagar de boca em boca (como foi o caso), tinha aparecido num jornal, mesmo que redigido em termos cautelosos, como “Está a ser investigado (...)”. Se isso sucedesse (ou, melhor ainda, se tivesse sido ‘enriquecido’ com um desmentido!), já não estaríamos perante um simples boato, mas confrontados com algo a que, nos últimos anos, já nos habituámos: refiro-me às “Fake news”, que podem vir adornadas com uma espécie de “selo de autenticidade” se tiverem uma origem mais ou menos institucional.
Aliás, actualmente as redes sociais encarregam-se de amplificar e reproduzir tudo o que possa originar “likes”, “partilhas” e “clickbaits” o que, como se sabe, traz visitantes — e, portanto, publicidade... que significa DINHEIRO.
Simultaneamente, as “Fake news” profissionalizaram-se, movimentando meios inimagináveis capazes de destruir políticos e empresas, por muito poderosos que sejam, e inclusive influenciar decisivamente eleições em qualquer parte do mundo.
E não se pense que é preciso muito cuidado quando se trata de inventar: há um par de anos (por brincadeira ou não), houve quem divulgasse, no Facebook, uma foto de um relógio de luxo com a legenda “Catarina Martins, do BE, comprou um relógio de 1 milhão de euros”, provocando uma explosão generalizada de indignação popular. E quem inventou a história, além de se ter fartado de rir, ficou a saber que não faltaria quem acreditasse numa eventual fotomontagem que mostrasse Jerónimo de Sousa, ao volante de um Rolls Royce vermelho, fazendo publicidade à Festa do “Avante!”.

III — TODOS os anos, quando se aproxima o dia 1 de Abril, há alguma agitação nos órgãos de Comunicação Social que, obedecendo a uma tradição que já vem do século XVI, participam numa inofensiva competição para ver quem inventa a melhor peta — que deverá ser, ao mesmo tempo, credível e absurda, culminando com uma gargalhada dedicada aos que nela acreditaram. Nessa linha, vale a pena recordar o que se passou com a que o “Correio de Lagos” inventou para a sua versão “online”, anunciando uma central solar flutuante a instalar na baía, com painéis que, em caso de mau tempo, mergulhariam (passando a aproveitar a energia das ondas), tudo acrescido com réplicas das chaminés da indústria conserveira, a colocar nas dunas, devidamente adaptadas a geradores eólicos!
Pois bem; na sua página, o jornal acrescentou, ao título, “1 de Abril :)”, talvez por ter sabido que houve quem transcrevesse a “notícia”, suscitando a ira de alguns dos seus leitores: uns, porque, habituados aos delírios do nosso Ministro do Ambiente, acharam tudo perfeitamente plausível; outros, porque não leram com atenção, reagindo pavlovianamente — como é de regra nas redes sociais —, dando razão ao cartune que mostra “Dilbet na terra dos idiotas”, que tenho sempre à mão desde que comecei a frequentar o estranho mundo do Facebook.
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Correio de Lagos de Abril de 2021

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