Crónica de uma morte anunciada
Por C. B. Esperança
Roubo a Gabriel Garcia Marquez o título de um dos seus romances para a prosa que há de surgir do curto passeio pela raia dos países ibéricos nos concelhos de Almeida e Fig.ª de Castelo Rodrigo, onde experimentei a pungência da morte de Santiago Nasar.
Entrar em Vilar Formoso neste mês de agosto é sentir que a pandemia antecipou a morte da vila que aguarda a abertura da autoestrada, já concluída, para deixar de ser a paragem habitual de quem entrava ou saía de Portugal. Já não se veem emigrantes nem turistas.
O Hotel Lusitano, junto à fronteira onde resiste a estrutura que assinala ainda a mudança de país, exibe três estrelas empalidecidas, com o bar a servir cafés a sessenta cêntimos e o restaurante com refeições turísticas de oito euros, à espera de clientes que já rareiam.
Na estrada interior, a Zá-Zá, onde vinham excursões de espanhóis a fazer compras, está quase vazia, e milagre seria que a imensa casa, com as mais diversificadas ofertas, se mantivesse aberta no próximo ano.
Em Fuentes de Oñoro, a mesma sorte ameaça a povoação. As bombas de combustíveis, substancialmente mais baratos, onde havia enormes filas automóveis, esperam agora os que param. O quiosque onde o Marcelo me guardava o El País e eu parava à conversa com o amigo republicano, jubilou-se antes da pandemia. Ficou a simpática jovem que já ali trabalhava e dava notícias do colega. Durante a pandemia encerrou definitivamente.
Resta-me recordar a simpática jovem e o Marcelo que me recebia com um largo sorriso quando, após a eleição do atual PR para o primeiro mandato, passei a chamá-lo Marcelo Bueno, para o distinguir, acrescentando-lhe o apelido da minha lavra. Desapareceram os jornais, as revistas e as pessoas.
Fui a Ciudad Rodrigo, cuja Praça Maior regurgitava de gente, sem mesas vagas. Não vi, no último sábado, onde comprar um jornal. Disseram-me onde o encontraria, só depois das ‘cinco de la tarde’, quatro em Portugal. Triste prenúncio do fim da imprensa impressa, numa cidade!
Voltei a Fuentes e percorri a estrada raiana enjeitando as entradas por Vale de la Mula e S. Pedro do Rio Seco. Aldea del Obispo e Boza tinham ruas vazias. Entrei por Escarigo e atravessei a Vermiosa e Malpartida no regresso a Almeida. Se o calendário não garantisse ser o mês de agosto, havia de pensar que era um dia de qualquer outro mês.
Há quatro décadas dizia-se que era urgente levar boas estradas e saneamento às aldeias para fixar as populações, e as estradas levaram as pessoas que havia. Não vieram outras.
Em Almeida, a funerária é o estabelecimento dentro das muralhas, a vinte metros do lar de idosos da Misericórdia, que abre todos os dias, mas também há de fechar porque não há gente nova para tornar-se velha e os velhos hão de extinguir-se.
Triste sina de terras, outrora cheias de vida, agora silenciosos armazéns de velhos!
Almeida, 11 de agosto de 2021
Etiquetas: CBE
2 Comments:
Inexorável. Oxalá que me engane.
JB:
Oxalá!
Enviar um comentário
<< Home