Grande Angular - O destino da Europa
Por António Barreto
Nas praias mediterrânicas, nas costas algarvias, nas ilhas gregas e nas falésias turcas, o que está em causa, além de milhares de vidas, é o futuro da Europa. No litoral ibérico e italiano, afrontam-se destinos que vão ditar a sina da Europa. No mar do Norte, no canal da Mancha, nos arredores de Calais, o futuro da Europa está em causa. Nas fronteiras húngaras, polacas, checas e bielorrussas, joga-se a sorte da Europa. Mesmo que não pareça evidente, na Escócia, na Irlanda, na Dinamarca e na Lituânia, combate-se por uma ou outra Europa.
Já se percebeu que a pior, a mais difícil de todas as crises, na Europa, é a das migrações, dos refúgios e das fronteiras. Por razões humanas, em primeiro lugar. Milhões de pessoas dos países vizinhos, das antigas colónias e de países longínquos esperam poder passar as fronteiras, correm todos os riscos imagináveis, deixam-se manipular por contrabandistas, negreiros e traficantes, para poder mudar de vida e de país, ganhar um salário decente, ter direito a uma vida que lhes é negada nos seus países de origem. Atiram crianças à água e enchem botes miseráveis de velhos, adultos e menores, incluindo bebés, na tentativa de comover a opinião pública europeia. Venderam o que tinham, venderam-se e venderam as suas filhas, entregaram as casas e os móveis, quando os tinham, na esperança de comprar um documento ou pagar uma passagem, um autocarro manhoso, um lugar de avião, um refúgio num vapor de carga, um espaço exíguo num bote miserável ou um encosto dentro de um contentor. Tudo isto porque querem ter uma vida decente, porque lhes prometeram que era possível, porque houve quem lhes garantisse emprego e habitação, porque certos Estados africanos e do Próximo Oriente fomentam estes movimentos ilegais e porque têm ouvido dizer que, no final de contas, os países europeus cedem. É preciso muito, é preciso tudo, para correr estes riscos, para se preparar para a morte, para deixar pais e mães para trás, para se separar deliberadamente dos filhos, para entregar alma e corpo a traficantes e para acreditar na sorte e nos deuses!
Por razões políticas, sociais e culturais, em segundo lugar. As hordas de emigrantes e seus candidatos e de refugiados falsos ou verdadeiros colocaram em crise todo os países europeus, desencadearam as opiniões mais varáveis e mais contraditórias possíveis. Cada país europeu, cada região, cada comunidade religiosa, cada etnia reage, na Europa, de modo diferente, conforme a sua história e a origem dos emigrantes. Na Alemanha, um Cigano e um Turco não são recebidos da mesma maneira do que um Sudanês ou um Sírio. Em Portugal, um Nepalês e um Paquistanês não são acolhidos do mesmo modo que um Brasileiro e um Timorense. Nestas questões, não há simplesmente seres humanos, há gente com religião, ideologia, classes, comunidade, cultura, língua e etnia. É simples negar tudo isto. É fácil afirmar que não é assim, não deveria ser assim, pois somos iguais e solidários e devemos todos conviver com todos. É simples e fácil, mas não é verdade.
Por motivos de política internacional também. Cada país reage segundo as suas conveniências, a sua cultura e os seus eleitorados. Uma resposta europeia única é simplesmente impensável. Já se percebeu que, nas fronteiras húngaras e polacas, por exemplo, estão em causa séculos de história, interesses legítimos diversos, culturas diferentes e modos de vida por vezes incompatíveis. Estamos a viver um tempo que já destruiu uma grande parte do património comum de política europeia para países terceiros, a emigração e o asilo. Há cada vez mais a certeza de que grandes potências vizinhas da União, assim como estados ricos do mundo islâmico, estados africanos interessados no êxodo dos seus nacionais e estados longínquos empenhados em fortalecer as suas diásporas, alimentam os fluxos de candidatos ilegais à imigração na Europa e financiam as redes de traficantes.
A Europa e os seus Estados nunca terão, antes de décadas ou séculos, se é que alguma vez terão, políticas comuns e iguais sobre os estrangeiros, as imigrações e os refugiados. E só haverá uma política comum e igual no dia em que não haja Estados independentes, culturas próprias, religiões diversas ou histórias singulares. Nem liberdade.
Há muitas pessoas na Europa que querem receber emigrantes. Tantos quantos vierem. De África, do Próximo Oriente, da Ásia ou da América Latina. Mas também há muitas pessoas na Europa que só querem receber emigrantes de certas regiões do mundo, designadamente da Europa e da América, de certas nacionalidades e religiões. Como há ainda muitas pessoas na Europa que querem receber, de certos países, o menor número possível de estrangeiros, conforme as necessidades de trabalho ou de profissão.
Há pessoas na Europa que não se importam com a crescente diversidade das sociedades, com os restaurantes de todas as cozinhas, com as escolas de várias línguas, com templos de diversas religiões e com costumes familiares de todas as latitudes. Mas também há pessoas na Europa que não querem abdicar das suas cidades históricas, dos seus costumes, das suas culturas e da sua iconografia.
Há pessoas na Europa que querem que, venham donde vierem, os estrangeiros, os refugiados e os imigrantes, tragam consigo os seus costumes, as suas leis, as suas culturas e modos de vida e que assim se construam novas nações multiculturais que vivam da heterogeneidade. Mas também há pessoas na Europa que querem manter o continente, as sociedades, os países e as cidades com identidade histórica própria, com a sua origem e a sua imagem, tentando assim defender a sua identidade cultural nacional ou local, na convicção de que esta traz consigo independência, autonomia e liberdade.
Há pessoas na Europa que não se importam de viver com legiões de ilegais, turistas que o não são e refugiados de aparência. Há quem pense e acredite que a liberdade fica para além dos procedimentos legais e burocráticos. Como há pessoas na Europa que não admitem que as sociedades e as economias europeias convivam com a ilegalidade, o trabalho negro e o mercado paralelo.
Há quem queira uma Europa de portas abertas, acessível a todos os que querem viver aqui, de livre entrada e saída, de livre residência e fixação. Mas também há quem queira uma Europa que garanta a legalidade de trabalho e residência, assim como os procedimentos necessários a uma sociedade moderna democrática.
A Europa, a União Europeia é de todas estas pessoas. E se quer existir e sobreviver com liberdade para todos nós, tem de viver com elas.
Público, 4.12.2021
Etiquetas: AMB
1 Comments:
O SEPARATISMO IDENTITÁRIO É ABSOLUTAMENTE NATURAL NA EUROPA
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--»» Por um lado, temos o EUROPEU CIDADÃO DE ROMA: este europeu projecta uma economia partindo do pressuposto da existência de outros... como fornecedores de abundância de mão-de-obra servil.
--»» Por outro lado, temos o EUROPEU IDENTITÁRIO: este europeu valoriza o Ideal de Liberdade Identitário que esteve na origem da nacionalidade: 'ter o seu espaço, prosperar ao seu ritmo'.
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OS IDENTITÁRIOS REPUDIAM A HERANÇA DO NACIONALISTA DO SISTEMA!
O europeu cidadão-de-Roma XX-XXI, pois, pois, ele sim, é que tem interesse na herança do nacionalista do sistema... sim é isso: são da mesma laia:
- ambos projectam (uns no passado, outros no presente) uma economia partindo do pressuposto da existência de outros como fornecedoras de abundância de mão-de-obra servil (economia de índole esclavagista);
- ambos, imbuídos de tiques-dos-impérios, projectam (uns no passado, outros no presente) as mais variadas sabotagens sociológicas (houve, inclusive, povos autóctones que foram alvo de holocaustos massivos)... anti-intenções identitárias que prejudicam interesses economico-financeiros (economia de índole colonialista).
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O que há a dizer aos globalization-lovers é simples e óbvio:
- possuem imensos, imensos, territórios ao seu jeito!...
- não sejam nazis!!!
- ou seja: aceitem a existência de outros!!!
Isto é: os 'globalization-lovers', UE-lovers, etc, que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa.
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SEPARATISMO-50-50
(separatismo identitário)
---» Todos Diferentes, Todos Iguais... isto é: todas as Identidades Autóctones devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no planeta -» INCLUSIVE as de rendimento demográfico mais baixo, INCLUSIVE as economicamente menos rentáveis.
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-» blog http://separatismo--50--50.blogspot.com/
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