10.3.22

Rússia / Ucrânia - 5 – “Devem ouvir-se igualmente ambas as partes” – (Demóstones, in Oração da Coroa, 330 a.c.)

 Por C. B. Esperança

Eu sei que não se pode destoar da visão radicalizada, convertida em dogma, sem que se afirme, “condeno veementemente a invasão russa da Ucrânia”, o que faço, uma vez mais, sem constrangimento, mas surpreende-me que a UE não a tivesse previsto, depois dos antecedentes da Geórgia, da Crimeia e dos reiterados avisos de Putin.

Eu sei que Zelensky, PR da Ucrânia, tem mostrado uma coragem heroica, mas preferia que tivesse tido bom-senso, antes de sugerir, agora, estar disposto a deixar cair a adesão à NATO e a discutir o estatuto da Crimeia, Donetsk e Luhansk.

Eu sei que o PR ucraniano tem procurado estender a guerra a nível mundial para não ser derrotado sozinho, apelando à declaração de interdição do espaço aéreo ucraniano, o que a Nato tem recusado por saber que, se abater aí o primeiro avião russo, pode iniciar a retaliação de Putin com a guerra nuclear e a destruição do Planeta.

Eu sei que nunca se deve encurralar uma fera ferida, e que é politicamente incorreto não me empolgar com o sofrimento do povo russo e, de forma egoísta, pensar que também a minha UE, que, sobretudo agora, desejo federalizada, fará sofrer a sua população.  

Não sei se será crime perguntar como pôde a União Europeia exultar com as sanções a Putin, sabendo que se voltariam contra si própria, perderia a capacidade de mediação e não podia alterar a dependência da energia e dos cereais russos. Aumentou o sofrimento dos seus países e debilitou a capacidade de proteger milhões de refugiados ucranianos.

Não sei como a UE foi tão rápida a defender os interesses dos EUA que, desta vez, não coincidem com os seus; os de Boris Johnson, que mantém o poder no RU com a guerra que fez esquecer as suas traquinices lúdicas durante a pandemia; e assistiu a uma súbita aproximação de Washington a Maduro, a quem não reconhecia sequer como Presidente da Venezuela, sem renunciar à condição de satélite dos EUA e cuidar dos seus interesses.

Não sei se a russofobia, acicatada na UE, se tornou obrigatória, como se o povo russo, incluindo os adversários de Putin, devesse ser punido pela invasão da Ucrânia.

Não sei como países democráticos da UE se conformaram com a decisão do Conselho Europeu, ao banir as cadeias de informação russas do espaço mediático ocidental, numa atitude simétrica à censura na ditadura russa.

Não sei um número interminável de coisas, só sei que a Humanidade está ameaçada, a pandemia esquecida, os refugiados não caucasianos abandonados, o aquecimento global desprezado, a água potável, os alimentos e a qualidade do ar ameaçados e os ucranianos a viverem mais uma sangrenta tragédia, talvez a maior da sua História e a maior da Europa depois da guerra de 1939/45.

Nunca vi tantos entusiastas da guerra, a atirarem mísseis do sofá, depois da euforia com que inicialmente os portugueses despolitizados acolheram, em 1961, as palavras do ditador, “Para Angola, rapidamente e em força”.

Então, como agora, o arrependimento virá tarde, se lá chegarmos.

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