8.4.22

NUS

Por Joaquim Letria

Os espanhóis têm o viño de Verano que é uma espécie de água pé às três pancadas destinada a ser bebido sem exigências e a acompanhar comida insípida e incolor desta estranha época primavera-verão.

Com a proximidade do estio e seus abençoados calores, os media abrandam nos escândalos e não resistem a dedicar-se aos conselhos dietéticos das suas e seus leitores, ouvintes e espectadores.

Antes de mais, vêm os avisos nutricionistas, geralmente acompanhados pelas  moradas de alguns ginásios com PTs (treinadores personalizados) frequentadores das páginas da Imprensa cor de rosa por saírem com esta e com aquele.

Mil e uma maneiras agradáveis de perder quilos, adelgaçar a cintura, estreitar as ancas, derreter as nádegas. A seguir vem a ameaça gritada do cancro de pele, ordens para nos untarmos com todas as loções e cremes protectores, ungindo-nos religiosamente para não sermos sacrificados aos malefícios da diferença real da hora solar nem sermos engolidos pelo buraco do ozono.

Quero eu dizer com estas divagações que de meados da Primavera até ao fim do Verão, os media entendem que o corpo humano desnudado e na sua melhor forma de apresentação, é  um factor muito positivo para as respectivas vendas e audiências. Ou seja, as direcções e administrações dos media sabem melhor do que ninguém que os seus consumidores gostam de ver corpos bonitos e, de preferência, desnudados.

O fenómeno não é de hoje. Nem esta preferência deve ser condenada. O pincel florentino de Cosimo Tori, o “Bronzino” (1503-1572) mostrou-nos o encontro entre Eros e Afrodite dum modo único, inesquecível e irrepetível. A comunicação de Tori é capaz de ser mais lenta do que os pixels de agora. Mas é mais profunda e eficaz.

Os corpos é que são definitivamente diferentes. A carne de hoje afirma a sua prioridade com o despudor da decadência de quem não viveu o apogeu, descuidada da harmonia e desproporcionalidade que domina o exibicionismo sexual do pintor toscano.

Importantes segmentos da sociedade afluente gostam de se comportar desta maneira – exibindo o corpo e babando suas alegadas proezas e conquistas sexuais. É interessante verificar como através dos tempos aqueles que dominam os outros procuram que a coisa pública se passe cada vez mais em privado, enquanto os simplesmente notáveis adoram tornar públicas as suas coisas privadas. 

Publicado no Minho Digital

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