19.8.22

Por Joaquim Letria

Portugal nasceu no Norte mas hoje é aqui, neste coração imperfeito, que alastra a sua vocação universal, de onde saíram caravelas, lugres, barcas, barcarolas e navios que se espalharam por onde hoje se estende a identidade  europeia desta cidade asiática, africana, indiana, mundial.

Lisboa é uma caldeirada de culturas, ponto de partida para a rota da vadiagem dum povo, prenhe de gente branca, escura, castanha, amarela e negra a vender especiarias e essências que podemos encontrar por toda a parte, a começar pela fascinante Rua do Bem Formoso, na Mouraria, onde se come apetecíveis petiscos chineses, indianos, vietnamitas, do Bangaladesh ou do Paquistão. Por aqui se convive com gente que escapou dos desesperos das suas terras para se refugiar neste porto antigo e abrigado de galegos, aguadeiros, carvoeiros e carroceiros, hoje cheia destes seus descendentes, ainda herdeiros dos sarracenos e dos judeus.

Abrigando tanta gente desta, Lisboa não poderia ser branca. Uma cidade como esta não pode ter a alvura das cidades das arábias ou do Norte de África. Terá de ser castanha, escura e colorida, mas nunca branca. Penso que esta insistência em lhe chamarem cidade branca, há inclusivamente um filme estrangeiro que assim a designa, vem não das suas cores mas de outra coisa muito importante e, a certas horas e em certos dias, absolutamente inigualável: a sua luminosidade, o seu sol único, a luz de Lisboa.

Todavia, lá por ser morena e escura, Lisboa não deixa de se apresentar garrida. Inegáveis as suas cores diversas, espalhadas por pincéis langorosos, que se estendem ao longo dum Tejo largo, longo e sensual. Podemos facilmente ver e sermos relembrados de tudo isso ao passear pelas suas ruas, ao ficarmos suspensos do lilás dos seus jacarandás que encontramos nos pincéis de Nikia Skapinakis, para depois nos perdermos em passeio pela policromia de Vieira da Silva, nos espantarmos com as telas de amarelos doces de Arpad e ficarmos presos aos rosas pálidos de Carlos Botelho, ou agarrados pelo azul turquesa de Pavia. Lisboa é uma enorme paleta de múltiplos grandes artistas.

Adoro o verde do Minho, o murmúrio dos seus rios, a frescura das suas sombras e o riso das suas gentes, tal como respeito e amo a planura do Alentejo, o cantar das suas cigarras, o canto dorido e belo das suas gentes. Mas nasci e cresci em Lisboa, apesar de passar anos longe dela roído de saudades de Portugal. Mas foi de Lisboa e do bairro onde nasci e cresci que mais falta senti.

Publicado no Minho Digital

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