18.12.22

No mercado do emprego - *Olá, trate-me por camarada

Por Antunes Ferreira

Rogério vinha com um grãozinho na asa. Não entrou em particularidades, apena me referiu que estivera com uns camaradas da 6.ª CCC, a Companhia de Caçadores Especiais, enviada para Angola no da 12 de Fevereiro de 1961 para contra atacar os massacres da UPA no Norte da então colónia, oficialmente “Província Ultramarina”. Haviam bebido uns copos dum tal uísque Malt Aberlour A'bunadh coisa muito fina guardada dos tempos da Manutenção Militar. Mas assegurou-me tudo tinha sido feito com todos os FF e RR…

 

O nosso encontro destinava-se a acertar a tática e a estratégica para a candidatura do filho dele, recém licenciado em teologia pela Católica; o moço não estava muito inclinado para dar aulas e por isso concorrera a um lugar de Relações Públicas numa empresa de Energias Alternativas cujo presidente eu conhecia bastante bem: fôramos amigos e companheiros de turma do Lyceu Camões. 

 

Tratava-se do eng.º Diogo Vasques Mota Brandão um sujeito muito competente, bom profissional, dirigente decente e sobretudo compreensivo e justo para com o seu pessoal; acrescia  que era fleumático, impassível, imperturbável, paciente, tranquilo, despreocupado, perseverante, persistente, pertinaz e constante, l ainda por cima um tipo porreiro. Daí que eu falaria pessoalmente com ele pois não contaria com o ovo no cu da galinha…

 

Uma simples apitadela ao dito cujo e eis-nos a almoçar no Grenache no Pátio de Dom Fradique (quem pagou foi o Diogo pois o guito também era seu… e uma refeição média, pelo menu, ronda os 60 €, porra!).  Tudo resolvido, nem foi preciso concurso, em terra de tacho para quê tal preciosidade? O cartão de visita do CEO para o director das Relações Humanas e o dr. Virgílio Alves Rebelo, filho do Rogério, já fazia parte do quadro das Energéticas Universais.

 

O Diogo era o manda-chuva e eu tinha todo o tempo do Mundo para não fazer nada e o dia estava tão suave que decidimos despedir (momentaneamente, não fosse o diabo tecê-las) o motorista do Mercedes, apanhámos um elétrico e fomos até ao Alto de Santa Catarina onde nos sentámos à sombra do famigerado Adamastor. 

 

Contentes que nem ratos, enquanto víamos passar no Tejo dois navios de cruzeiro, o Diogo perguntou-me de onde é que eu conhecia o Júlio Mesquita Katangue, ao que lhe respondi toda a nossa estória comum. “Tem graça. Também somos muito amigos e entre outros interesses ele disse-me que tu és conhecido como o campeão mundial das anedotas. Até me contou uma das duas freiras que foram a um ginecologista e outra sobre um professor de inglês passada em Angola. Rimo-nos a bandeiras despregadas!!!!”

 

Meio parvos rimo-nos até rebentar os coses; alguns cidadãos que por ali gastavam os seus ócios miravam-nos: “Olha-m’estes devem ser dos externos do Júlio de Matos…” Olimpicamente ignoramo-los. No entanto o Chief Executive Officer aproveitou o ensejo; “Henrique, vai fazendo-se tarde, mas ainda há tempo para contares uma anedota..”

 

Como recusar? “A cena passa-se às portas do Céu. Chega um sujeito com ar um tanto suspeito e apresenta-se ao São Pedro, à porta, com o seu molho de chaves.” O santo porteiro: “Meu filho quem és tu?” O cidadão: “Chamava-me Honorato Martins, completei 38 anos, era solteiro, morri num desastre de viação e era honesto, bem comportado, sincero, alegre, mas era e sou comunista.”

 

São Pedro, um tanto contristado: “Pois meu caro, nós aqui, nos nossos registos celestes computadorizados temos todos os teus dados. E embora tenhamos em conta o rol de qualidades que ostentas – és COMUNISTA. Portanto toma esta guia de marcha e baixas ao INFERNO. E assim aconteceu.

 

Três semanas depois, o Diabo ligou o telefone vermelho para o Céu e atendeu São Pedro: “Daqui fala o próprio Satanás, mas não é consigo que eu quero entrar em contacto mas sim com o Filho do seu Patrão.” O Santo homem: “Lamento. Nada é possível. A Santíssima Trindade está reunida em Conselho de Administração Celestial”. 

 

Segue-se uma discussão acerba até que finalmente Jesus Cristo atende o telefone vermelho. O Demónio: “Eu raramente lhe peço alguma coisa mas agora trata-se de uma emergência gravíssima. Um tal Honorato Martins, comunista ab initio que vocês mandaram para cá pôs o Inferno num verdadeiro pandemónio. Já fundou uma Comissão de Greve e dois comités sectoriais para melhorar a qualidade do carvão para as brasas eternas. Ele mesmo encarrega-se de fazer os cartazes de protesto contra as temperaturas muito altas que por aqui há. Uma gaita, Cristo, uma grandíssima gaita!!

 

E o Crucificado, fleumático, para o bocal telefónico: “E que quer você que eu lhe faça? Tenho as mãos atadas. Só com um despacho do Consel…” “Só um pequeníssimo favo – retorquiu a cornuda figura – permita que ele vá durante uma semana, só uma, aí para o Céu, enquanto eu ponho em ordem aqui este Inferno. Por favor, pode ser????” Jesus comovido e convencido aceitou. E assim aconteceu.

 

Decorreram os sete dias solicitados e muito a contragosto o boss infernal ligou para o Céu. Atendeu o Redentor. Falou o Belzebu: “Já passou a semana combinada, pode remeter-me…” E numa voz autoritária o Bom Pastor: ”Antes do mais trate-me por CAMARADA!!!!!!!

 

Desta feita até o Adamastor se partiu a rir. À gargalhada!

 

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1 Comments:

Blogger Janita said...

Grande capacidade de persuasão têm tais criaturas...Não há quem lhes vire o disco e esmoreça a 'resiliência'. 😅

Parabéns ao criativo autor do texto, que faz o favor de ser meu amigo.

Desejo um Feliz Natal para todos os contribuidores do Sorumbático.

18 de dezembro de 2022 às 17:27  

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