7.8.23

No "Correio de Lagos" de Jul 23


I — SE SE FIZER uma pesquisa no Google em “Bartolomeu Dias 1488”, encontrar-se-ão muitos resultados, com óbvio destaque para a descoberta da “passagem” para Índia pelo Cabo da Boa Esperança — assim renomeado por D. João II para corrigir o epíteto pessimista de “Tormentoso” com que o navegador o baptizara, e a que Camões, no Canto V de “Os Lusíadas”, chama “Tormentório”, em rima com “notório” e “promontório”... Obviamente que, se em vez de 1488 se escrever 1487, também se encontram muitas respostas, incluindo todas as anteriores, pois o navegador saiu de Lisboa num ano, e dobrou o sul da África em Fevereiro do seguinte.

Até aí, não há nada de especial; a parte curiosa é quando aparece alguém que diz que ele partiu de Lisboa em Agosto de 1486, tendo a viagem terminado em Dezembro de 1487. Ora, esse “alguém” é nada menos do que João de Barros (1496-1570), que ficou conhecido como “O Tito Lívio Português”, e que faz, nas suas “Décadas da Ásia”, uma narrativa desenvolvida dessa viagem, que situa UM ANO ANTES do que hoje em dia se toma como certo.

Mas, então, como se entende uma tal discrepância num assunto tão importante? 

Uma das explicações pode estar na implacável política de sigilo praticada por D. João II, com a consequente escassez de registos dessa altura. Outros lembram que, nessa época, muitos ainda consideravam que o ano começava em Março e não em Janeiro (*), pelo que “Fevereiro” poderia ser o de 1487 para “eles”, enquanto agora, para nós, esse mês já é o de 1488. Outra explicação possível seria um eventual lapso na crónica de Barros que, segundo Gago Coutinho, «não é isenta de outros erros», até porque Colombo (1451-1506) e Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), que já eram bem crescidos quando Bartolomeu Dias fez “a viagem” (**), consideram que o Cabo foi dobrado no ano de 1488, que hoje é o comummente adoptado.

 

II — VEM TUDO isso a propósito de uma curiosidade semelhante, relacionada com o nosso D. Sebastião, especialmente agora, que se comemoram os 450 anos da elevação de Lagos a Cidade. E o que está em causa é algo muito simples: EM QUE ANO, AFINAL, MORREU o rei? Sabe-se que foi em 4 de Agosto, no desastre de Alcácer-Quibir. Sim, mas DE QUE ANO?

E a dúvida é perfeitamente pertinente, pois todas as respostas conhecidas nos indicam que D. Sebastião foi morto em 1578, com uma única excepção, que fui encontrar na página https://www.cm-lagos.pt (da autoria da CML), onde o documento ENJOY LAGOS me informou, em português e em inglês:

«Janela Manuelina implantada no edifício do Castelo dos Governadores, 1485-1520 (...). Segundo a tradição, foi a partir desta janela que D. Sebastião terá assistido, em 1579, a uma última missa antes de partir para a batalha de Alcácer-Quibir»

Tudo bem, mas quem diria que, na nossa terra, até as viagens no tempo eram possíveis?!

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(*) – Está relacionado com isso o facto de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro serem os meses 9, 10, 11 e 12, apesar de os seus nomes terem origem nos números 7, 8, 9 e 10.

 

(**) – Bartolomeu Dias não parou depois disso: vemo-lo a assessorar a preparação da primeira viagem do Gama; depois, aparece a caminho da Mina, em 1497, a acompanhar o mesmo capitão durante as primeiras 4 semanas da grande epopeia; e, 3 anos mais tarde, a comandar um dos 13 navios de Cabral (também com destino à Índia, mas com uma imprevista “escala” na Terra de Vera Cruz), sendo personagem de destaque na carta de Caminha. Como se sabe, viria a perecer pouco depois, nessa mesma viagem, num naufrágio que, por uma cruel ironia do destino, ocorreu na zona do Globo que o imortalizou.

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