23.11.23

No "Correio de Lagos" de Outubro de 2023

 «Quem se assemelha se emparelha»

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«Quem nos diz as verdades não são os amigos, mas sim os inimigos» — Plutarco — «Como Tirar Proveito dos Inimigos»

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A CRER no que Yuval Harari nos conta num dos seus livros, Arthur Miller (1915-2005) terá dito, um dia, que não acreditava que Bush ganhasse as eleições, pois não conhecia ninguém que votasse nele. Ora, como se sabe, não só Bush as ganhou, como o fez duas vezes seguidas, o que nos leva a pensar como é que alguém, certamente extremamente culto (e, ainda para mais, norte-americano), pôde cometer um erro desses — a menos que tenhamos em conta a sua idade, dado que faleceu aos 90 anos, e precisamente no da reeleição do invasor do Iraque. Mas a explicação está na própria frase, pois quando o autor de “Os Inadaptados” se referia às “pessoas que conhecia”, certamente estava a falar daquelas que eram das suas relações mais próximas. Miller estaria, pois, capturado por uma realidade a que o mesmo Harari chama “Silos sem janelas”, um universo em que as pessoas se fecham num mundo confortável, apenas composto pelas que pensam como elas — algo que, hoje em dia, nos é familiar em qualquer rede social, onde as pessoas se “babam” com “likes”, “emojis” e partilhas, ignorando, insultando ou mesmo bloqueando quem se atreva a manifestar opinião diferente, especialmente se estiverem em causa assuntos como Política, Religião, Futebol ou (mais recentemente) “Costumes”.

 

E VEM a propósito disto uma experiência em que há algum tempo me vi envolvido, embora de forma totalmente involuntária, e que passo a contar:

Um dia, tinha eu acabado de publicar, numa das páginas do Facebook dedicadas a Lagos, o habitual gráfico do Ministério do Ambiente que nos vai dando conta do estado dramático da Bravura (que está, à data de fecho desta crónica, no mínimo histórico de 7,5%!) quando, ao descer à rua, me deparei com dois cães que pareciam perdidos. Então, tirei-lhes uma foto, e afixei na mesma rede social o habitual aviso que, por sinal, ficou junto do anterior. Pois... Ficou, mas não por muito tempo, pois os algoritmos do Facebook atiraram o primeiro ‘post’ para o fim de tudo, e deram ao segundo honras de ‘primeira página’ pois este, como era de prever, estava a breve trecho cheio de comentários.
Quanto ao ‘post’ da água, que deixei de acompanhar porque ficou praticamente invisível, deve ter tido os habituais ‘likes’ dos amigos que costumam ter essa simpatia, e deve ter recebido, também, os habituais insultos dos que me chamam “Profeta da Desgraça”, e que fazem parte do regimento dos “medíocres que estão sempre satisfeitos” a que se referia o autor do Princípio de Peter.


MAS NADA disso é novo para mim, pois quando falo acerca dos problemas da Cidade com as pessoas com quem tenho mais confiança, estamos de acordo em colocar à cabeça a caótica distribuição de correspondência pelos CTT, e em segundo lugar a deficiente recolha do lixo pela Algar. Depois desses, e variando de pessoa para pessoa na importância que cada uma lhes dá, aparecem a previsível Escassez de Água, o Desprezo pelo Património, a Desarborização, o Estacionamento Selvagem, o Estado dos Passeios... e mais alguns outros que primam pela ausência nas redes sociais de Lagos.

 

APOSTILA: E já esta crónica estava terminada, quando surgiu uma cena bizarra: para satisfazer os que me acusam de “só dizer mal”, acolhi de bom grado uma informação de um leitor segundo a qual no parque de estacionamento da Docapesca estavam a ser instalados painéis fotovoltaicos nos abrigos para carros. Essa informação veio acompanhada de uma foto, e eu sugeri a quem ma enviou que a mandasse para a secção “Buracos & Companhia” deste jornal, que certamente lhe daria destaque, com um “De Saudar!”. No entanto, isso não vai acontecer porque sucedeu o seguinte:
No passado dia 9, ao passar pelas referidas instalações, fui confirmar a informação do leitor, aproveitando para fazer uma foto mais elucidativa, com a ideia de também a publicar aqui, com DESTAQUE E ELOGIO. Pois bem, fui abordado por um senhor que quis saber porque é que eu estava a tirar fotografias, e esclarecendo-me que ali era “Propriedade Privada”, pelo que eu só o poderia fazer com autorização, que poderia pedir por ‘e-mail’. Claro que não o vou fazer, pois ainda espero resposta ao que para lá enviei em finais do ano passado a propósito do estado extremamente perigoso do cais flutuante existente ali perto. 

Quanto ao facto de aquilo ser “propriedade privada”, a Docapesca dá-nos conta de que — e passo a citar: «A Docapesca – Portos e Lotas, S.A. é uma empresa do Setor Empresarial do Estado, tutelada pelo Ministério da Agricultura e Alimentação, etc». Que diabo!, então já nem se pode DIZER BEM?

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“Correio de Lagos” de Outubro de 2023

 

 

 

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