21.5.24

BÓLIDES, METEOROIDES E METEORITOS


Por A. M. Galopim de Carvalho

O que muitos viram e filmaram, na noite de 19 deste mês de Maio, a riscar e a iluminar o céu, foi o que se costuma designar por bólide, ou seja, um corpo rochoso (meteoroide), de dimensões apreciáveis, vindo de algures, no Sistema Solar, que, na forma de um globo inflamado e brilhante, atravessou velozmente a atmosfera terrestre, deixou rastro luminoso, explodiu e fez ruído.

Este corpo entrou na atmosfera terrestre a uma velocidade na ordem dos 160 000 km/h, ou seja, cerca de 45 quilómetros por segundo, aqueceu por atrito com o gás atmosférico e explodiu e vaporizou-se, deixando de ser avistado quando ainda estava a mais de 50 km de altitude, não chegando a atingir a superfície da Terra. Estima-se que estes corpos entrem na atmosfera a uma velocidade entre os 10 e os 70 quilómetros por segundo. Se deste corpo tivesse resistido uma parte, maior ou menor, que atingisse o solo, teríamos um meteorito.

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METEORITOS

No Livro das Pedras, de Aristóteles (384-322 a.C.), que se julga não ser da autoria deste filósofo, mas sim uma compilação das suas ideias, feita por um anónimo, provavelmente um árabe posterior ao século IX, disserta-se sobre as influências celestiais ou dos astros, em geral, e do Sol, em particular, no nascimento destes e de outros objectos naturais. Uma visão do filósofo sobre estas influências era a de que, sob o efeito dos raios solares, certas exalações se escapavam para a atmosfera. Destas, as chamadas “exalações secas”, associadas às trovoadas, condensavam e caíam na Terra, sob a forma de pedras e, de entre elas, os meteoritos e, daí, o nome de pedras de raio usado pelos antigos. 

Os gregos dispunham do termo “meteoron”, para designar as ocorrências próprias do céu, nome no qual radica a nossa palavra meteoro, usada como o nome dos velozes traços de luz que rasgam o céu da noite. Quando de dimensão milimétrica (à semelhança de grãos de areia) ou ainda mais pequenas, estes corpos, melhor dizendo, estas partículas, em queda (micrometeoroides) sobre a Terra, a velocidades na ordem das dezenas de quilómetros por segundo, aquecem também por atrito com a atmosfera, tornando-se incandescentes, acabando por se volatilizar sem deixarem quaisquer vestígios. São as “estrelas cadentes”, expressão popular de um fenómeno ocorrente na mesosfera, 50 a 90 km acima da superfície da Terra.

Objectos maiores resistem ao calor da fricção e conseguem chegar até à superfície da Terra: são os meteoritos, rochas peculiares que podemos observar, apanhar e estudar. Diga-se que este termo foi “construído” apondo o sufixo -ito (próprio da nomenclatura científica alusiva às rochas) à palavra meteoro que, como se disse atrás, designa as ocorrências, as partículas e os restantes corpos próprios do céu. Com efeito, os meteoritos são rochas ou pedras caídas do céu. 

Por outras palavras, dá-se o nome de meteoróides aos pequenos corpos do espaço interplanetário, que tanto podem ser pequenos asteróides ou os seus fragmentos, como restos de núcleos de cometas, e de micrometeoróides às pequenas partículas que produzem as atrás citadas “estrelas cadentes”, uma vez que são a expressão milimétrica ou inferior dos meteoróides.

Podemos agora dizer que meteoritos são todos os meteoróides que nos caem, vindos do céu, ou que um meteoróide muda de nome, para meteorito, só depois de “aterrar”. Só então o vemos, o apanhamos e podemos estudar.

Para os antigos, meteoritos eram os bólidos (ou bólides), versão portuguesa do termo grego bolis, alusivo a tudo o que se desloque a grande velocidade, o que é, precisamente, a característica destes corpos vindos do espaço. 

Alguns meteoritos, recolhidos na Antárctida, têm sido interpretados como provenientes da superfície de Marte, de onde teriam sido arrancados por uma grande colisão com outro corpo sólido.

Muito pequenos ou muito grandes, entre pedras que cabem numa mão e blocos com dezenas de toneladas, os meteoritos são antigos, vêm de longe e trazem consigo uma parcela importante da história do Sistema Solar, nos seus primórdios. Foi com os corpos (meteoróides) que representam que, há uns 4600 milhões de anos (Ma), se iniciou a formação de todo ou parte dos corpos sólidos do Sistema Solar, isto é, os planetas telúricos ou rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Lua e os muitos satélites de outros planetas), os interiores sólidos dos planetas gigantes, ditos gasosos, os asteróides e os núcleos dos cometas. Podemos, mesmo, dizer que com eles se iniciou a nossa própria história como parte que somos deste mesmo conjunto. 

Errantes no espaço interplanetário, os meteoróides colidem entre si ou com os planetas, originando crateras de dimensões entre decimétricas e quilométricas, em função da magnitude dos impactos, variável esta, por sua vez, em função da massa e da velocidade a que se deslocam. Muitos deles caem na Terra num número bastante superior ao daqueles que são recolhidos. Sujeitos ao aquecimento durante a vertiginosa travessia da atmosfera, perderam parte da respectiva massa, deles restando porções maiores ou menores. 

Estima-se em algumas centenas o número destes corpos que, por ano, atingem a superfície do nosso planeta. Destes, dois terços perdem-se no mar, estimativa que tem em conta a muito maior área correspondente aos oceanos. Dos caídos em terra, só cerca de uma dezena, em média, chega ao nosso conhecimento. 

A importância dos meteoritos é essencialmente científica, pois, como se disse, constituem documentos importantes para o estudo da história do Sistema Solar, em geral, e do nosso planeta, em particular. Muitos deles mostram semelhanças com certas rochas do manto superior terrestre, nomeadamente, os peridotitos. Além das espécies minerais aqui identificadas, entre as quais diamante, grafite, feldspatos, piroxenas, olivina e alguns sulfuretos, contêm outras até agora desconhecidas na Terra, como seja, ferro elementar (não combinado), formando ligas com níquel, e ferro combinado com enxofre, sob a forma de troilite, um sulfureto de ferro afim da pirite, mas magnético. Para além de elementos químicos comuns na crosta terrestre (oxigénio, silício, alumínio, ferro, magnésio, cálcio, sódio, potássio, titânio), os meteoritos caracterizam-se pela presença significativa de outros particularmente raros nesta mesma crosta, como irídio, platina, ósmio, paládio, ruténio, níquel e arsénio. 

O estudo dos meteoritos levou à definição de três tipos fundamentais: 

- Meteoritos líticos, essencialmente rochosos, por vezes referidos como areólitos. 

- Meteoritos férreos, formados, sobretudo, por ligas de ferro e níquel, a que se deu o nome de sideritos. 

- Meteoritos lito-férreos, simultaneamente líticos e férreos, conhecidos por siderólitos.

Os meteoritos líticos reúnem dois tipos que muito interessa distinguir: condritos e acondritos 

Mais numerosos de todos os meteoritos conhecidos (cerca de 86%), os condritos são maioritariamente formados por pequenas esférulas milimétricas (1 a 4 mm), ou côndrulos, com olivina e piroxenas, ligadas entre si por uma pasta predominantemente vítrea (amorfa). Contêm, também, partículas ricas em Fe-Ni, sulfuretos e alguns silicatos que estão entre os minerais que primeiro se formaram no sistema solar. Os condritos são os mais antigos de todos os corpos sólidos que orbitam o Sol. Foram criados a partir dos materiais de nébula que deu origem ao Sistema Solar e têm idades compreendidas entre 4550 e 4600 Ma. Não sofreram diferenciação uma vez que não foram fundidos no interior de um planeta ou de um asteróide.

Os côndrulos são interpretados como condensados de gotículas dessa matéria primordial remanescente e em rotação em torno do Sol recém-nascido. Tendo passado por uma fase inicial de fusão, as ditas gotículas arrefeceram e solidificaram, como pequenas esferas, a temperaturas que se estimam próximas dos 1200 oC. As proporções entre os elementos químicos presentes nos condritos são as mesmas que se encontram no Sol, o que também aponta para o seu carácter primitivo como corpos solidificados da nébula solar em arrefecimento. Por outras palavras, os condritos são corpos indiferenciados, testemunhos inalterados das primeiras partículas sólidas geradas em torno do Sol. De entre as dezenas de milhar de condritos recuperados e conservados em Museus, destaca-se o condrito de Jilim, o maior de entre uma chuva de meteoros que caiu próximo desta localidade chinesa em 1976. Com cerca de 1,9 toneladas, produziu, no impacto, um buraco com 5,5 metros de profundidade. Numa outra ocorrência deste tipo, registada em 1912, em Holbrook, no Arizona (EUA), o número de condritos caídos conta-se por milhares.

Com teores de carbono que atingem os 3%, sob a forma de grafite, carbonatos e alguns compostos orgânicos, incluindo aminoácidos, os condritos carbonáceos são um tipo particular de condritos. Podem conter água e minerais hidratados. Uma tal composição indica não terem estado sujeitos a altas temperaturas.

O tão falado meteorito de Allende, alude a um meteoróide que explodiu antes de colidir com o solo, em 1969, perto do povoado do mesmo nome, no estado mexicano de Chihuahua. Os muitos fragmentos recolhidos totalizam cerca de duas toneladas, sendo, até hoje, o maior condrito carbonáceo conhecido e, também, o mais estudado. O grande interesse que lhe é atribuído resulta de se acreditar que representa o tipo de objectos mais antigos do Sistema Solar.

Uma particularidade deste meteorito é a de conter um óxido de titânio desconhecido na Terra, a que foi dado o nome de pangüite, em alusão a Pan Gu, o antigo deus chinês, criador do mundo através da separação de yin (terra) de yang (céu). Mineral refractário, a pangüite formou-se sob as temperaturas extremamente altas reinantes no início do nosso sistema solar, há mais de 4570 Ma, sendo por isso considerado um dos minerais mais antigos que nos é dado observar.

A esta fase seguiu-se a acreção (crescimento por aglutinação sucessiva) de corpos sólidos progressivamente maiores, que podemos exemplificar com os asteróides, atingindo as dimensões dos planetas como o nosso e os que nos acompanham no Sistema Solar. Os corpos suficientemente massivos, com mais de 500 km de diâmetro, diferenciaram-se, à semelhança da Terra, com a formação de uma zona externa, na qual foram geradas as rochas granulares a que pertencem os acondritos (destituídos de côndrulos), uma zona central, ferro-niquélica, como nos sideritos, e uma zona intermédia propícia à coexistência de ferro-níquel e material rochoso, como nos siderólitos.

Nesta concepção, largamente aceite pela comunidade científica, acondritos, siderólitos e sideritos são considerados meteoritos diferenciados, oriundos, respectivamente, das zonas externa, intermédia e central desses asteróides e, portanto, mais recentes do que os condritos. Após fragmentação destes, na sequência de eventuais megacolisões, os seus restos vagueiam no espaço e, sempre que se aproximam da Terra, o suficiente para ficarem submetidos ao seu campo gravítico, caem, passando a chamar-se meteoritos.

Não chega a uma dezena o número de meteoritos caídos em Portugal e dos quais ficou registo. São eles:

- Meteorito da Tasquinha (Évora Monte, Alentejo), em 1796, com 4,8 kg;

- Meteorito de S. Julião (Ponte de Lima), um siderito achado em 1877, com 162 kg;

- Meteorito de Olivença (na fronteira com o Alentejo), um condrito caído em 1924;

- Meteorito de Vila Verde da Raia (Chaves), um acondrito caído em 1925, com 2,9 kg;

- Meteorito do Monte das Fortes (Ferreira do Alentejo), um condrito caído em 1950, com 2,1 kg;

- Meteorito do Alandroal (Alentejo), um siderito caído em 1968, com 25,5 kg;

- Meteorito de Ourique (Palheiros, Alentejo), vários fragmentos de um condrito caído em 1998.

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