7.11.24

ESTUQUE


Por A. M. Galopim de Carvalho

Uma das utilizações do gesso, a um tempo técnica e artística, vem de longe e materializa-se no estuque, produto usado em variados tipos de ornatos relevados, em tectos, paredes interiores e exteriores. 

 

De uso milenar nas civilizações mediterrâneas, o estuque (do italiano “stucchi”, com o significando de relevo ornamental), na sua versão antiga ou tradicional, era constituído essencialmente pela junção de uma argamassa branca ou polícroma de “gesso-de-Paris” com uma de “cal aérea”, sendo esta usada como um aditivo retardador de uma secagem demasiadamente rápida. 

Esclareça-se que a antiga expressão “gesso-de-Paris”, hoje obsoleta entre nós, refere o produto industrial, o pó branco com que no hospital se imobiliza um braço ou uma perna partida e que podemos comprar na drogaria para tapar uma irregularidade na parede. Diga-se que o eventual colorido das argamassas era obtido pela adição de pigmentos minerais (ocres, terra de Siena e outros) e recorde-se que o adjectivo aérea, colado à palavra cal, informa que o endurecimento desta tem lugar por efeito do dióxido de carbono do ar atmosférico, segundo a equação:

Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H2O.

O estuque, que integra os actuais produtos usados na construção civil, como revestimento em interiores, principalmente tectos e ornamentos executados em relevo, é uma argamassa branca ou polícroma (pela adição de pigmentos minerais) em cuja composição pode entrar gesso, cal, areia fina e pó de mármore.

 

Com notável desenvolvimento no passado, a estucagem, segundo os preceitos tradicionais, afirmou-se, em especial, no século XVIII, como um ramo artístico do sector da construção civil, associado à arquitectura. 

O gesso foi a matéria-prima da argamassa mais antiga, aplicada como ligante, nas alvenarias, por babilónios e egípcios, há mais de 4000 anos. Uma argamassa, acrescente-se, própria de ambientes secos, como acontece em regiões marcadas pela aridez, uma vez que se deteriora, se exposta à humidade atmosférica. 

A estucagem de paredes interiores e a reprodução de máscaras funerárias, no Egipto antigo, testemunham o elevado nível dos estucadores de então. Daqui e ao longo da Antiguidade, a técnica alastrou aos gregos e romanos. A título de curiosidade, diga-se que, em Roma, o célebre arquitecto Marcus Vitruvius Pollio (século I a.C.), na sua monumental obra “De Arquitectura”, explicou o processo de obtenção do estuque. 

Também os árabes foram mestres na estucagem, aperfeiçoando-a no revestimento e decoração dos interiores dos edifícios mais nobres. Entre os séculos VIII e XV, desenvolveram na Península Ibérica uma arte de decorar grandes espaços, num complexo rendilhado de elementos geométricos e abstractos de que são exemplo os interiores e outros espaços do monumental Alhambra de Granada. 

 

A estucagem esteve praticamente ausente na arquitectura religiosa e civil do Românico e do Gótico, na Idade Média europeia, tendo ressurgido timidamente no Renascimento italiano, com emolduração de pinturas a fresco, e atingindo o seu máximo esplendor em finais do Barroco, na segunda metade do século XVIII, com as minuciosas e aprimoradas ornamentações do Rococó. Já bem dentro do século XIX, o estuque acompanhou a maleabilidade do Romantismo, apelando a revivalismos mouriscos (estilo neoárabe). Com o advento do Neoclássico, esta arte ganhou grande desenvolvimento em sancas, molduras e adornos em relevo de complexos e delicados desenhos e, no final desse século, acompanhou as chamadas Arte Nova e Arte Déco, como meio de concretização da fantasia criadora do ser humano, testemunhando, uma vez mais, a aptidão decorativa desta argamassa.

No decorrer do século XX, o estuque perdeu definitivamente o papel de relevo que teve nas épocas do Barroco e do Rococó, restringindo-se a pequenas molduras e frisos decorativos, além das sempre utilizadas superfícies planas de paredes e tectos. A progressiva industrialização da construção civil marcou, por assim dizer, o fim do estuque ornamental. Porém, o estuque continua a servir na feitura de sancas e molduras, bem como no revestimento de paredes ou tectos, corrigindo imperfeições. Uma vez concluído o reboco, continua na ordem do dia, muitas vezes, a cargo dos pintores. Nos dias de hoje, a estucagem de paredes usa a técnica do chamado “estuque projectado”, à semelhança da tradicional pintura à pistola.

Entre os exemplos mais significativos da aplicação desta arte no nosso país, citam-se, no século XVI, os estuques da igreja do Espírito Santo e os da capela e refeitório da Universidade, em Évora.

Após o terramoto de 1755, o Marquês de Pombal encarregou o jovem estucador italiano, João Gross (1715-1780), de proceder ao restauro e melhoramento do tecto da Igreja dos Mártires, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e no palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. Acrescente-se que Gross foi professor da “Aula de Estuque e Desenho”, então criada, em 1764, na Fábrica das Sedas.

Os estuques mouriscos dos palácios de Monserrate e da Pena, em Sintra, e os do salão nobre da Bolsa de Porto, todos do século XX, e do palácio Alverca, mais conhecido por Casa do Alentejo, em Lisboa, de começos do século XX (1919), são bons exemplos do Revivalismo em Portugal.


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