25.3.05

Os Komplyka-dores - II

(Des. CMR)

- Estás a gostar da amostra, Jeremias? Então agora vais conhecer o Alarcão… O mui-nobre e famoso Alarcão d’ Albuquerque, por alcunha "o complicador"!

Não foi fácil esse encontro nem essa apresentação. Tratava-se de uma estranha e altiva personagem que, só por si, levaria vários capítulos a descrever.

Dado ter sido o único, na empresa, a gabar-se de folhear o suplemento de informática d’ «O Público» e o primeiro a jogar o Pac-Man num Spectrum, ganhara fama de ser perito em informática. E, como tal, fora justa e naturalmente promovido a chefe dos respectivos Serviços.

— Não gosto nada da palavra serviços… Eu não estou aqui para servir ninguém! – costumava ele desabafar, decerto pensando na sua origem fidalga.

Mas também ninguém discutia com ele.

Alguns tinham tentado pôr-lhe a alcunha de Doctor No, como homenagem ao facto de ele dizer a tudo que não e invariavelmente declarar que era impossível fazer o que lhe pedissem:
Faltam layers de software, Senhor Director! Isso só se resolve com bytes de nove bits a 500 giga-hertz – e mesmo assim terá que se adquirir uma linha RDIS de 2 Megavolts de potência unitária deslizante…
Era este o tipo de explicações que ele dava para mostrar que não era possível fazer um simples mapa de preços em computador. E, no caso deste exemplo, a justificação, depois de passada a escrito e analisada cuidadosamente pela hierarquia, fora despachada assim:
«Tendo em conta que os preços dos equipamentos informáticos têm vindo a baixar constantemente, a Makro-Teknika deverá aguardar até que os bytes de 9 bits sejam mais acessíveis. Será nomeada uma Comissão de Acompanhamento para estudar o assunto, tanto na vertente económica como na tecnológica. O aspecto humano também não será descurado».
E esclarecia, em nota de rodapé, referindo-se à famosa Lei de Moore:
«Consequência da chamada Lei de More que, como o próprio nome indica, é a lei de cada vez mais»
Mas adiante.
Jeremias, que tinha a mania que a informática, pelo menos para o utilizador final, devia poder ser simples («Tal como não deve ser preciso saber Química para tirar fotografias» – dizia ele…) veio a ter frequentes discussões com o Alarcão. Ficou para a história da Makro-Teknika a seguinte cena, a que assistiram várias pessoas:
— Ó Alarcão, você tem aí o número de telefone do Manel?
Confrontado com esta simples pergunta dum colega mais incauto, o Alarcão, em vez de olhar para o papel na parede onde estava escarrapachada a resposta, ligou o computador, arrancou o Windows e clicou em Start - Find - Files or Folders - Advanced.
Depois, escreveu “Manel” na janela que dizia Containing Text e deu um toque final em Find Now com o ar satisfeito do compositor que coloca a última nota numa partitura cujo sucesso tem por garantido.
Mas não viu nada!
Lembrou-se, depois, que talvez estivesse em “Manuel” (quem diria!) e lá encontrou, ao fim de alguns minutos, resmas de ficheiros onde apareceria a palavra. Num deles lá estava o tão procurado número, que exibiu, triunfante, como um troféu de caça!
Bem… a acreditar no Jeremias, parece que a coisa ainda foi um pouco mais complicada do que isso:
Pelo meio ainda teve de se haver com uns ficheiros chamados Phone_List.doc (protegidos com passwords de que já se tinha esquecido) e programas shareware (que foi nessa altura buscar à Internet) que se destinavam a recuperá-las… Por fim, para cúmulo, virou-se para o papel afixado na parede, procurou com o dedo o número do Manel e, espreguiçando-se, comentou laconicamente mas com toda a seriedade:
— Confere!
Mas falta ainda contar a melhor:
O Alarcão, que tinha muito orgulho no seu nome, sofria muito - é que as pessoas costumavam tratá-lo por Alarcão de Albuquerque. E ele não percebia porque é que a malta se fartava de rir quando ele corrigia, com o seu ar bonacheirão e recostando-se na cadeira:
— D’Albuquerque, com plica… D’Albuquerque sempre com plica!
-------
Do livro «Operação JEREMIAS», disponível em PDF gratuito em www.jeremias.com.pt: