12.4.06

UMA PARTIDA BORGESIANA (*)

A EXPECTATIVA criada pelo jogo decisivo entre o Sporting e o FC Porto provocou animação na Bolsa, através de um aumento anormal do volume das transacções, que fez disparar o valor das acções das respectivas SAD’s. Mas o disparo que valeu foi mesmo o de Jorginho, graças à excelente jogada e ao magnífico remate que deu a vitória (justa) e, mais do que provavelmente, o título nacional (também justo) ao conjunto do FCP.
No futebol, que ascendeu ou descendeu (depende da perspectiva dos adeptos) ao estatuto de indústria do espectáculo, é mesmo assim: o valor das acções das SAD’s está quase exclusivamente dependente da excelência e eficácia dos pontapés e das cabeçadas de alguns jogadores. Mesmo que o jogo seja feio, duro e mau, como foi o caso. Socorro-me, aqui, da opinião de um dos maiores e melhores sportinguistas de todos os tempos, o professor Moniz Pereira, que, solicitado a comentar, não teve papas na língua: «Foi um mau jogo de futebol, com muitas faltas e fitas. Não esperava um desafio tão mau».
Tal comentário fez-me lembrar um dos escritores que mais admiro, entre aqueles que alguma vez se pronunciaram ou escreveram sobre futebol: Jorge Luís Borges. Dizia ele que «o futebol é fundamentalmente ignóbil e agressivo, desagradável e comercial» – além de ser «feio, esteticamente». E socorria-se de Shakespeare e Kippling, que também desprezavam o pontapé na bola, para reforçar a opinião. O manifesto exagero de Borges podia ser levado à conta da sua cegueira. Mas o argumento não procede, porque Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo e cronista brasileiro, também era (quase) cego e tinha uma opinião diametralmente oposta à do autor da «História Universal da Infâmia».
Numa coisa concordo com Borges. Quando afirma que «o futebol, em si mesmo, não interessa a ninguém», já que nunca se ouviu dizer: «Que bela tarde passei, que bela partida eu vi, claro que o meu clube perdeu». E nunca se ouviu dizer tal frase porque «a única coisa que interessa é o resultado final» e «ninguém se diverte com o jogo». Claro que há excepções que só confirmam a regra. Já me senti com o papo cheio de boa bola, quando o Benfica ganhou por 6-3 ao Sporting, em Alvalade, mas não sei de benfiquista algum que tenha ficado maravilhado com o jogo em que o Sporting bateu o Benfica por 7-1 no mesmo sítio. Para os adeptos em geral, nunca é irrelevante ganhar ou perder.
Certo é que, com a vitória do FCP sobre o Sporting, é ínfima a dúvida quanto ao título. A eliminação prematura da Liga dos Campeões foi mais benéfica para os dragões do que para os leões. Permitiu a Co Adriaanse impor o seu modelo de jogo, optimizando recursos que o Sporting não tem. Já o Benfica, na ressaca de uma eliminação tardia, não parece talhado para vencer o torneio da Segunda Circular e conquistar o acesso directo à liga milionária. Só resta o fantasma da bancarrota para os quatro últimos desta Liga.
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(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de hoje (não online), aqui publicada com autorização do autor

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