12.7.06

AZUL CALCIO (*)

Sob o céu azul de Berlim, i azzurri (os azuis transalpinos) venceram les bleus (os azuis gauleses) na roleta do desempate por penalties, após 120 minutos de uma final em que a selecção francesa e, sobretudo, Zidane deram um recital de bola durante a segunda parte e todo o prolongamento. Mas a história do futebol está cheia de vitórias injustas e imprevisíveis – e é precisamente essa imprevisibilidade e capacidade de surpreender os adeptos que ainda hoje mantêm bem vivo o fascínio que o futebol exerce.
Todavia, seria injusto afirmar que a selecção italiana não mereceu o título, tendo em conta a regularidade, a consistência e, até, os lampejos de grande classe que revelou ao longo de todo o campeonato. A Itália é a mãe de quase todo o futebol que se pratica por esse mundo fora, criadora do catenaccio e de todas as tácticas de ferrolho, derivadas e adjacentes, que contaminaram e moldaram o futebol contemporâneo. Sendo certo que as cópias muito raramente têm conseguido ser tão eficazes como o original.
Ainda por cima, a selecção italiana é a única, de entre as 16 que lograram atingir os oitavos-de-final, cujos futebolistas jogam todos em clubes italianos. Só Alemanha e Inglaterra (com dois «estrangeirados» cada), México (com três), Ucrânia (com quatro), Equador (com cinco) e Espanha (com seis) se aproximam, com selecções nacionais que genuinamente representam o futebol que se pratica em cada um dos respectivos países. Todas as outras selecções são «legiões estrangeiras» recrutadas na Europa. A começar pelo Brasil e pela Austrália (21 «estrangeirados» cada), a que se seguem Argentina (20), Gana (19), Suécia e Suiça (17 cada), Portugal (15), França (13) e Holanda (9).

De resto, todo este Euromundial foi dominado por um futebol azul calcio. Com evidente predomínio da organização defensiva sobre o futebol ofensivo, supremacia dos guarda-redes e defesas sobre os atacantes, proliferação de centrocampistas ou médios de todos os tipos (polivalentes, volantes e alas) e raríssimos avançados. Ora, nesta selva de pernas a meio-campo, a selecção italiana, mais do que qualquer outra, demonstrou que tem a paciência dos predadores e a persistência dos vendedores de seguros. Pratica um futebol consistente e paciente, fechado e oportunista, que acaba por fatigar e corroer os adversários. Por isso vai conseguindo tantas vitórias nas pontas finais dos jogos.
A selecção portuguesa não foge à regra, mas joga à italiana curta por manifesta carência de avançados tão eficazes como os italianos. Aliás, quando quis jogar aberto, a trabalhar para o bronze, contra a Alemanha, três pedradas do Schwarzeneger prussiano (Sebastian Schweinsteiger), lançadas do meio da rua, bastaram para a arredar do pódio. Claro que a culpa foi da bola (das curvas de trajectória), dos árbitros e das conspirações (a sul-americana e a dos poderosos), como convém a uma vítima que se preza. Mas isto não retira qualquer mérito à saga da selecção de Scolari, que mereceu a menção honrosa que o quarto lugar significa. Parabéns! Sobretudo ao grande jogador que é Figo!
(*) Esta é a habitual crónica das 4ªs-feiras que Alfredo Barroso publica no «DN» e que oferece aos leitores do «Sorumbático» no mesmo dia..
Na versão em papel só saiu no dia seguinte, e não está disponível na Internet.

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