Duches e repuxos (*)

PODERÁ ser uma lenda urbana, como tantas outras.

Ouve-se dizer que as gotas de água do duche têm temperaturas diferentes. E há quem diga que se trata de mais uma manifestação da lei de Murphy: o sistema de mistura de água funcionaria sempre mal, de forma que o chuveiro teria sempre jactos mais frios e jactos mais quentes; por azar, os mais frios sempre de fora.

Janet Leigh, na famosa cena do chuveiro

em «PSYCHO», de Alfred Hitchcock

O problema pode discutir-se — no duche ou no café —, mas há uma forma simples de tirar a limpo o que se passa: medir a temperatura com um termómetro.

Se o leitor o fizer reparará que é verdade: colocando o termómetro em diferentes partes dos fios de água que saem da boca do duche, a temperatura oscila dois ou três graus. Medi-la não é fácil, pois os fios de água do chuveiro caem de forma turbulenta. Mas com um pouco de método e paciência pode esclarecer-se o que se passa. Verifica-se que as gotas da parte interior da coluna de água estão mais quentes que as do exterior.

A explicação torna-se clara quando se tomam medidas mais afastadas da boca do duche. À medida que a água passa pelo ar e desce, vai arrefecendo. Mas a que mais arrefece é a que está no exterior.

Poderia pensar-se que o arrefecimento se deve ao contacto com o ar, e é verdade, mas por intermédio de um efeito um pouco mais subtil. Na realidade, as gotas que estão no exterior evaporam-se parcialmente e, com isso, perdem energia, enquanto as que estão no interior quase não sofrem esse efeito, pois aí o ar está saturado de vapor de água e praticamente não há evaporação.

Percebe-se por que razão os romanos e os árabes gostavam tanto de repuxos. Era uma forma de obrigar a água a evaporar-se mais depressa e assim refrescar o ambiente dos jardins e pátios. Sábios repuxos.

(*) Adaptado do EXPRESSO