23.9.06

À BEIRA DO COLAPSO (*)

EIS O QUE disse o velho, sábio e céptico Solomon Kahn: «A humanidade devorou num século todos os recursos mundiais, que tinham levado milhões de anos a acumular, e nenhum dirigente ligou meia ou deu ouvidos a todas as vozes que tentaram avisá-los. Limitaram-se a deixar-nos produzir em excesso e consumir em excesso, até que agora o petróleo se foi, a terra fértil esgotou-se e desapareceu, as árvores foram derrubadas e os animais extintos. O planeta está envenenado e tudo o que temos em troca disso são sete milhares de milhões de seres humanos a lutar pelas migalhas que restam, vivendo uma existência miserável». Disse mais o velho Solomon: «Houve uma altura em que tivemos o mundo inteiro nas mãos, mas devorámos e queimámos tudo e agora acabou-se».
Este é o cenário aterrador de uma novela de ficção científica, Make Room! Make Room!, escrita em 1966 por Harry Harrison, que com ela conquistou o Prémio Nébula, e na qual livremente se inspirou Richard Fleischer para realizar, em 1973, o filme Soylent Green, ainda mais impressionante, pessimista e trágico do que a própria novela. Esta só foi editada em Portugal em 1986, pela Caminho, com o mesmo título atribuído ao filme: À Beira do Fim. Voltei agora a ler a novela e recordo o filme como se o visse hoje.
Numa megalópole com 35 milhões de habitantes, a esmagadora maioria vive ao relento, ou nas catacumbas de um metropolitano que já não funciona, ou em carcaças de automóveis abandonados em parques de estacionamento inúteis, ou em navios corroídos pela ferrugem e atracados há muito nos cais - uma shiptown. Falta a água e os alimentos escasseiam, tudo é racionado, mesmo certos produtos sintéticos de origem misteriosa que são distribuídos como substitutos dos alimentos naturais. No filme, é a descoberta desse mistério que levará Solomon Kahn a desistir de viver e a submeter-se à eutanásia, numa clínica onde morre a ouvir uma sinfonia de Beethoven e a contemplar as imagens filmadas de um mundo que ele ainda conheceu, mas que já desapareceu há muito.
Infelizmente, não é grande a distância que separa ficção e realidade. Se o futuro é relativamente imprevisível, o passado está cheio de exemplos de civilizações que não resistiram ao seu esplendor, entrando em declínio e queda irreversíveis, até à extinção. São os processos dessa extinção – sobretudo a tragédia da Ilha da Páscoa, a decadência e o fim do Chaco, o esgotamento e queda da civilização Maya, o desaparecimento dos Vikings na Gronelândia – que nos relata o historiador e cientista norte-americano Jared Diamond, num extraordinário ensaio intitulado Collapse. Recursos naturais explorados até à exaustão, alterações climáticas, destruição do meio ambiente, guerras, secas, fome e incapacidade de adaptação à mudança causaram verdadeiros ecocídios. Também vale a pena ler outro ensaio de Jared Diamond, já editado em Portugal pela Relógio d’Água: Armas, Germes e Aço, sobre os destinos das sociedades humanas. Se não aprendermos as lições, a ficção poderá tornar-se realidade e poderemos estar à beira do colapso.
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(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de ontem, aqui transcrita com sua autorização. Não está no «DN-online».

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5 Comments:

Blogger fado alexandrino. said...

Não é correcto.

Quem descobre a origem do Soylente Green é o Detective Robert Thorn.
Sol Roth e não Solomon Kahn simplesmente chega ao fim da sua vida e naquela sociedade era permitido uma, digamos, auto-eutanásia que consistia em terminar a vida de uma maneira ideial (essa idealizada ao som da Pastoral).

Um assunto que está novamente na moda.

23 de setembro de 2006 às 16:56  
Anonymous Anónimo said...

Mas... ó Fado Alexandrino... o que é isso acrescenta de útil ao pensamento de Barroso, valha-nos deus(qualquer serve)! Ponha ideias contra ideias, conteste ou complete mas assim... é por estas e outras que há quem ache os blogues uma perda de tempo inútil - coisa em que não alinho, mas lá que você ajuda, ajuda...

23 de setembro de 2006 às 19:13  
Blogger fado alexandrino. said...

No filme, é a descoberta desse mistério que levará Solomon Kahn a desistir de viver e a submeter-se à eutanásia, numa clínica onde morre a ouvir uma sinfonia de Beethoven e a contemplar as imagens filmadas de um mundo que ele ainda conheceu, mas que já desapareceu há muito.

Alda Nobre

se tivese visto o filme perceberia que esta análise está totalmente errada e que distorce completamente o sentido do mesmo.
equivale a dizer que o guarda-redes está em fora de jogo

tenha uma muito boa-tarde.

23 de setembro de 2006 às 19:58  
Anonymous Anónimo said...

Não consigo perceber como é que é possível, a propósito de uma coisa tão simples, destilar agressividade.

Será mesmo necessário?!

Que raio! Animem-se, quanto mais não seja porque é fim-de-semana!

Rosário

24 de setembro de 2006 às 11:24  
Anonymous Anónimo said...

Claro que é o detective, interpretado no filme por Charlton Heston, quem segue a pista e descobre a fábrica onde são produzidos os misteriosos produtos sintéticos. Mas é Sol Roth (Solomon Kahn na novela, livremente adaptada por Richard Fleischer), interpretado no filme por Edward G. Robinson, quem percebe primeiro qual é a composição dos produtos sintéticos e, por isso mesmo, desiste de viver. O detective segue o trajecto do cadáver do amigo e descobre a fábrica. É uma subtileza do filme, mas não tão grande que impeça alguém com três dedos de testa de descobrir o que realmente se passou. Também não disse qual era a Sinfonia de Beethoven porque, no filme, é de facto a «Pastoral» (a 6ª Sinfonia), mas, na novela, Sol passa o tempo a trautear ou a dedilhar a 5ª Sinfonia.

25 de setembro de 2006 às 00:36  

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