SE ANDARMOS à cata de velhos clássicos da literatura para oferecermos aos filhos ou a jovens amigos, depressa constataremos quão raros são os oásis que ainda restam no deserto de escaparates e prateleiras das livrarias, atravancadas pela contínua invasão das «bestas céleres». Era com esta divertida expressão que Alexandre O’Neill designava «o fabrico e o consumo desenfreado de um produto que por acaso se chama livro», e que é mais conhecido e popularizado, há já várias décadas, pelo termo best-seller.
Teremos muita sorte se o velho clássico tiver sido reeditado e estiver incluído na lista de «novidades» do mês, da quinzena ou, mesmo, só da semana. Se não, é escusado andar à cata dele pelas livrarias, porque já não está à venda. A produção e o consumo de bens culturais, como agora se diz, provoca o envelhecimento acelerado e fulgurante, não só dos velhos clássicos da literatura, mas também das obras dos melhores escritores do nosso tempo, se elas não tiverem a sorte de entrar para os «topes» de vendas.
O’Neill fazia uma distinção entre «topes» de vendas como O Nome da Rosa, de Umberto Eco, ou as Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, e «bestas céleres» como Love Story ou O Aeroporto, que já nem sei quem escreveu. A comparação actual poderia ser feita entre «topes» de vendas como A Mancha Humana, de Philip Roth, ou Amigos para Sempre, de John Le Carré, e «bestas céleres» como I’m in love with a Pop Star, de Margarida Rebelo Pinto, ou A Bruxa de Portobello, de Paulo Coelho, a muitas léguas da literatura. Sem esquecer Como perder peso num abrir e fechar de pernas, de Richard Smith, ou Isso agora…não interessa nada, de Teresa Guilherme. Mas sem citar o ror de códigos, cabalas, enigmas, segredos e profecias que estão na moda.
Fruttero & Lucentini, famoso par de escritores italianos co-autores de excelentes romances e crónicas, já se queixavam, há 30 anos, do facto de as livrarias se parecerem cada vez mais com os quiosques de jornais, aonde ninguém vai à procura dos diários da véspera ou das revistas do mês passado. Numa das crónicas do livro em que deploram a «predominância do cretino» (La prevalenza del cretino), citam Schopenhauer, em 1851: «Enquanto as pessoas, em vez de lerem o melhor de todos os tempos, preferem sempre e unicamente as últimas novidades, o século afunda-se cada vez mais nas suas próprias porcarias. O novo raramente é bom e o bom só se mantém novo pouco tempo».
Não sou assim tão pessimista. Lamento apenas que as «bestas céleres» removam a boa literatura das estantes das livrarias. E não me sinto à vontade nos snack luncheons de lançamento de novos livros. P.G. Wodehouse achava «medonho» ver os fotógrafos a obrigarem o autor a posar de livro na mão. O que não diria se folheasse a revista em que uma autora lusa de «bestas céleres» revela a que cabeleireiro vai, que sandálias calça e o desodorizante que usa. Bem mais difícil é escrever como Stendhal. E o certo é que eu só queria adquirir um exemplar de A Cartuxa de Parma, para o oferecer a uma filha.
(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN» de 13 Out 06 (não está online), aqui transcrita com sua autorização
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4 Comments:
Apesar de não ter nada contra a cara (aliás muito simpática) de A. Barroso, acho que o «DN» ganharia bastante se, em vez dela, metesse estas imagens, como aqui se faz.
E. Ramos
Estas crónicas de A.B. são muito interessantes e infinitamente melhores do que as que escrevia sobre bola.
Mas fazem falta (pelo humor cortante e pela lucidez) as que ele escrevia sobre política.
Caro Dr. Alfredo Barroso,
Quando à «Cartuxa de Parma», poderá dirigir-se à Livraria Barata (na Av. Roma, em Lisboa).
Eles mandam-na vir.
E poderá escolher entre a edição das PEA e a da Relógio d' Água.
Ah, grande Alfredo Barroso! Desanque-me essa tropa-fandanga, que a malta aplaude e agradece!
R.M.M.
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