O Acesso ao Ensino Superior
O novo semanário SOL resolveu “atacar”, no anterior fim-de-semana, o acesso a cursos superiores por maiores de 23 anos sem a formação anteriormente exigida (12º ano e provas específicas feitas no ano de ingresso). Outros meios de comunicação comentaram o tema, que, como qualquer outro na envolvente do ensino secundário ou superior, deve merecer atenção mas exigir comentários e críticas construtivas e consolidadas por uma análise prévia.
As notícias, em meu entender, ficaram tendenciosas por várias razões:
a) Falta de enquadramento conceptual já que não referem que isso foi uma deliberação pensada, justificada e enquadrada em legislação específica: L 49/2005 e DL 64/2006 cujos conteúdos devem ser lidos por quem queira escrever ou dissertar sobre o tema.
Entre várias razões, sabendo-se que o abandono escolar é grave e crescente a nível do ensino secundário, para atenuar a situação em termos sociais será justo criar condições que permitam a cidadãos adultos o reiniciar os seus estudos, desde que se sintam motivados para tal e desde que demonstrem um mínimo de conhecimentos.
As condições serão a motivação de cada candidato – sabemos que muitos jovens quando crescem e assumem um estatuto de maioridade se recriminam por não terem podido ou querido continuar a estudar – e o rigor metodológico com que cada instituição de ensino superior, do subsistema politécnico ou do universitário, do subsistema privado ou do público, organiza o plano de “avaliação da capacidade para a frequência” e as aplica – havendo que ter a consciência que a prossecução dos estudos para estes potenciais alunos exigirá motivação continuada e enquadramento adequado, não estando a todos garantido o sucesso sequente.
As políticas de “formação ao longo da vida” – a “educação vitalícia” de que fala Roberto Carneiro – ainda estão em Portugal numa fase de desenvolvimento incipiente mas estes diplomas em apreço serão importantes para permitir nela integrar gerações adultas ainda no começo dos seus ciclos vitais.
b) A política nacional de aggiornamento do ensino superior tem sido notável – os diplomas publicados em 2005 e 2006 denotam uma manifesta qualidade legislativa com inovações metodológicas e de aproximação aos padrões europeus – só se esperando que as boas intenções do “aparelho político de estado” não sejam atrasadas ou boicotadas por alguns lobbies mais ou menos subterrâneos… Mas é evidente que, encontrando-nos numa fase de “deslizamento paradigmático” no ensino superior, de necessária desregulação-regulação, haverá que inovando, autonomizando e modulando o sistema se ir optimizando o ensino. Costumo dizer que as universidades na Europa são a instituição que, desde a sua fundação nos séculos XII e XIII, maior resiliência mostra. Vivendo no século XXI ainda encontramos estratificações dos modelos prevalentes do Século XIX: o napoleónico ou o humboldtiano… Que se reconheça o esforço, que se combatam e denunciem os bloqueamentos subterrâneos, que se trabalhe por uma verdadeira modernização do ensino superior em Portugal.
c) A descentralização dos procedimentos tem que ser, ainda que ponderadamente, realizada. A visão de que só o Estado é “pessoa de bem” é uma reminiscência dos regimes políticos autoritários do passado, mais ou menos recente, em que o sistema levava a não o ser! A descentralização não garante ab initio que o rigor seja sempre assegurado mas aqui também é um processo de aprendizagem que se torna necessário. Doutro modo encontramo-nos num sistema social perversamente bloqueado… Mas é fundamental que as instituições de ensino superior em quem se delegam agora os procedimentos de avaliação e de admissão, actuem dentro dos mais rigorosos princípios éticos a fim de que os detractores do novo sistema não tenham razões de crítica.
d) Finalmente, haverá que acabar com a dicotomia entre ensino privado – “oportunista e de deficiente qualidade” sempre “origem do oportunismo mais soez” – e o ensino público! Conheço os dois e tive oportunidade de os avaliar durante dois anos. Encontrei, num e noutro, exemplos claros de excelência e casos de diversas debilidades. Não quero aqui entrar em mais análise de um e outro subsistema, que merece e deve ser feita, apenas apelar para que haja ponderação e honestidade nas críticas… Se em Portugal o subsistema privado existe é porque o Estado teve, na década de 80 do século XX, que recorrer a ele e não é minimamente ético que, hoje em dia, enquanto há uma transitória retracção do “mercado”, o Estado misture o seu papel legislador com os seus interesses “patronais” ou se deixe influenciar pelos atrás citados lobbies… Quando, para além do mais, haverá que habituar as instituições públicas a saber gerir na excelência com os meios escassos que as instituições privadas têm, que são, exclusivamente, as propinas.
Armando Teixeira Carneiro
(Doutor em Ciências da Educação, Presidente da Direcção do ISCIA, Aveiro)
3 Comments:
O processo de Bolonha, esse "aggiornamento notável", terá como consequência formar uma geração de licenciados, mestres e doutores a martelo. A sociedade pagará as consequências a seu tempo. É que alguns padrões europeus não servem de bitola para nada, pois foram impostos por eurocratas que, em boa parte, nunca passaram muito tempo nas universidades (e alguns nunca lá chegaram). Só quem encara a educação como um mero negócio deve estar a esfregar as mãos de contente com o novo modelo de acesso ao ensino superior. Quantos mais entrarem na faculdade, semi-iletrados mas com 23 anos, melhor. Depois, de lá sairão pouco ou nada mais sábios ou capazes, mas isso já não interessa. O "rigor metodológico" acabará sempre por ser subvertido pela manipulação... perdão, pelas leis do mercado, essas entidades deíficas.
Caro Joaquim Letria, não basta ler decretos. É preciso conhecer por dentro o que se passa no ensino, pré-universitário e universitário. É preciso saber que os que, com bom senso e conhecimento de causa, se levantam contra algumas resoluções iníquas, de que o processo de Bolonha é exemplo, são apelidados de "corporativistas", um chavão que a moda neo-liberal aplica a todos os se opõem à irracional mercantilização de todos os sectores da sociedade. A seu tempo se provará quem tinha razão. Esperemos todos que não seja demasiado tarde.
Eu também gostaria de me pronunciar sobre este "post", mas aparentemente falta qualquer coisa no fim.
Não terá havido um "copy/paste" que falhou?
Ed
Em relação ao meu comentário das 10h41: vejo que a parte que faltava já está afixada, o que permite constatar que o texto não é da autoria de J.Letria (que se limitou a afixá-lo) mas sim de Armando Teixeira Carneiro.
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