7.1.07

As saturnais do Ano Novo

CAVACO SILVA tomou posse há nove meses (que é o tempo de que a poderosa natureza precisa para levar um mero espermatozóide até à personalidade jurídica). Depois, muito para além das obrigações do cargo, quis caucionar a actual governação, numa entrevista dada há apenas um mês (que é o tempo que medeia entre duas rendas da mesma casa). Agora, na mensagem de Ano Novo que lhe cumpria fazer, disse partilhar da insatisfação dos que querem ver resultados para os seus sacrifícios. Logo a direita, infantilizada por uma orfandade recente, quis ver, neste castíssimo afago, uma saturnal. Mandou engomar os andrajos e fez-se à praça, para celebrar o grande evento. Receio que não seja caso para tanto.
Reza a lenda que Cavaco consumiu dez anos a preparar-se para ser Presidente. Talvez o tenha feito para preparar a vitória e a ascensão ao cargo, mas não decerto para o seu exercício. Nem Eanes, Soares e Sampaio, os três únicos tarimbeiros do ofício, lhe terão dado lições privadas na matéria. Cavaco está a aprender, o que nem sequer lhe fica mal. Mas é visível que, por ora, tacteia, experimenta e torce a barra, para a esquerda e para a direita. O excesso de zelo na SIC foi ainda o preço da promessa eleitoral de "cooperação estratégica" e do compromisso de "remarmos todos para o mesmo lado" (tudo isso muito para além da solidariedade institucional que lhe cumpre). A tentativa de correcção agora feita nem pretendia anular o zelo, mas só o excesso. Se descontarmos a alusão menos pensada às "exigências" do Presidente, verificamos até o cuidado posto na própria escolha das suas prioridades.
Na economia, o Presidente, convicto de que a criação de emprego e a justiça social são consequências do desenvolvimento, quer o caminho para o reequilíbrio das finanças públicas (e o Governo também quer, pois aí joga a sua maior bandeira). Quanto ao resto, apela aos empresários para que sejam os agentes da mudança e aos parceiros sociais para que cooperem e sejam responsáveis. Na educação, "o tempo urge"; o caminho é o da "excelência"; e professores, pais e alunos têm de se empenhar. Na justiça, celebra o pacto PS/PSD e posiciona-se para diluir eventuais responsabilidades com o maior partido da oposição.
Do Pai Natal ao Conde Drácula, todos partilham estas amáveis inanidades. O Presidente finge ordenar ao primeiro-ministro que respire, mas sabe que ele não tem qualquer intenção de deixar de respirar.
«DN» de 7 Jan 07

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Note-se que Cavaco exigiu "resultados". Mas, como não os quantificou, seja o que for que aconteça pode ser interpretado como se quiser...

7 de janeiro de 2007 às 11:05  

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