Os dedos dos senhores doutores
A NEBULOSA DEMISSÃO dos 19 directores de serviço no Hospital Pedro Hispano e as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos sobre o novo sistema de controlo da assiduidade fizeram mais pelo desprestígio da classe médica do que uma dezena daquelas operações para retirar as amígdalas de onde se sai sem uma perna. Portugal tem excelentes médicos, até acima da qualidade média do país, mas a classe tem tiques de prima donna e uma queda incontrolável para o corporativismo mais primário. Ninguém, com dois pingos de bom senso, pode hoje em dia contestar medidas básicas de controlo dos horários de um trabalhador. Mas bom senso é tudo o que não tem havido nesta discussão. Numa altura de cortes radicais e mudanças profundas no Sistema Nacional de Saúde, os médicos continuam a reivindicar privilégios que nem no Burkina Faso já fazem sentido.
A argumentação que tem sido utilizada para contestar o novo sistema de controlo é das maiores manifestações de desonestidade intelectual a que tenho assistido nos últimos anos. Os médicos do Pedro Hispano chegaram a defender que encostar o dedo a um vidro faria diminuir a produtividade dos serviços (a sério) e declararam que teriam de interromper cirurgias para ir picar o ponto: "Ó senhora enfermeira, aperte com força esta artéria que vou só ali à máquina mostrar as minhas impressões digitais." Algum deles terá acreditado por um segundo no que estava a dizer? Quanto a Pedro Nunes, o bastonário, declarou em voz alta que o único patrão dos médicos é o doente. Donde se conclui que, para ser obedecido, bastará a Correia de Campos legislar constipado.
Nenhum médico que trabalhe a sério num hospital, e mais horas do que aquelas a que é obrigado por lei (e são muitos os que o fazem), pode estar minimamente preocupado com a introdução de um controlo efectivo da assiduidade. Bem pelo contrário. Só se preocupa quem não cumpre. A malta não é parva: a mão que foge ao controlo é a mesma que nos vai ao bolso. Esta gritaria sobre dedos apenas serve para proteger os anéis.
João Miguel Tavares - «DN» de 6 Jan 07 - [PH]
4 Comments:
Note-se que os médicos em causa têm, até agora, assinado um livro de ponto.
O que os preocupa neste momento não é o controlo da assiduidade - em si mesmo - mas o facto de passar a haver um controlo fiável!
Como pormenor:
Ao demitirem-se usando um abaixo-assinado (e não com carta de demissão individual, como qualquer pessoa sabe que se faz), os senhores doutores deram uma curiosa prova de iliteracia...
Bagunça no SNS
As reacções de alguns sectores médicos, incluindo da própria Ordem (nunca nos desengana esta venerável instituição!...) contra o controlo da assiduidade e dos horários de trabalho no SNS mostram a degradação a que chegou a relação de emprego público em certos sectores do Estado.
É notório que existe um enorme laxismo nessa área e que muitos médicos, sobretudo entre os dispensados dos serviços de urgência por razões de idade, não cumprem o horário de 35 horas a que estão obrigados e pelo qual são pagos. A medida de moralização agora tomada por Correia de Campos impunha-se há muito. Os protestos dos interessados só deixam mal os seus protagonistas e apoiantes. Como negar o Estado o poder de pôr fim à "bagunça" instalada?
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Vital Moreira em
http://causa-nossa.blogspot.com
6.1.07
Já cá faltava a ladainha do "corporativismo" e dos "privilégios". E prossegue a raivinha contra as classes profissionais, ou seja, contra os que trabalham neste país (Vital Moreira é um bem-instalado que ganha mais do que merece a escrever propaganda nos jornais).
Isso pode ser verdade, mas não fujamos da questão essencial, que é:
A assiduidade dos médicos deve - ou não - ser controlada?
Se o é em (quase) todos os hospitais, porque não o há-de ser no Pedro Hispano?
E, se a assiduidade já é "controlada" pelo livro de ponto, qual é o problema em passar a sê-lo por um processo mais fiável?
Não terá isso a ver com o facto de o livro de ponto (como em todo o lado sucede) poder ser assinado em qualquer altura?
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Eu trabalhei muito tempo em empresas europeias onde TODA a gente picava o ponto.
Até mesmo os big-bosses (que, evidentemente, podiam estar dispensados ou auto-dispensar-se) o faziam; para dar o exemplo, evidentemente.
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