15.1.07

Os Gato e Saddam

No «Blogue da Direcção do Expresso», foi posto à discussão dos leitores este pequeno texto, da autoria de N. S. (Nicolau Santos, presumo):
«Os Gato Fedorento representam o melhor humor que hoje se faz em Portugal, a lembrar Herman José nos seus tempos áureos ou a tradição burlesca britânica dos Monthy Pitton. Mas o humor, como se sabe, é uma linha finíssima entre a inteligência e o mau gosto.
Ontem, no programa que passou na RTP-1, com vários sketches divertidos, os Gato ultrapassaram a linha de bom gosto ao caricaturar o enforcamento de Saddam Hussein. Todos sabemos que Saddam foi um ditador da pior espécie e ninguém que aprecie a liberdade e a democracia verterá uma lágrima por ele. Mas há um momento em que, nem que seja por simples pudor, não é possível fazer humor: aquele em que o carrasco passa o laço da corda em torno do pescoço de Saddam e se sabe que, dentro de momentos, ele deixará de viver.
Os Gato passaram ontem essa linha finissima. Não ganharam nada com isso. E nem os espectadores, que os apreciam, se riram».
Por mim, dou razão ao autor: brincar com a morte, em abstracto, é natural - as velhas anedotas do S. Pedro são inofensivas e podem ser engraçadas. Porém, brincar com a morte de alguém, em concreto, não é exactamente o mesmo.
Mas, é claro, há gostos para tudo: cheguei a ouvir contar anedotas acerca do desastre de Camarate e, mais recentemente, acerca do de Entre-os-Rios.
Desconfio de quem nunca se ri; mas desconfio, também, de quem se ri de certas coisas.
«Diz-me do que ris, dir-te-ei quem és».

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Boa CMR!
antonio

15 de janeiro de 2007 às 14:57  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem! Ai dos que usam a glória julgando que tudo lhes é permitido. Desejo uma forca para esses Gatos que já tiveram graça inteligente.

15 de janeiro de 2007 às 16:13  
Anonymous Anónimo said...

O problema é capaz de ser um pouco mais complicado:

Julgo que quem lhes faz os textos são as Produções Fíctícias - cujo humor, por vezes, escorrega para coisas destas.

15 de janeiro de 2007 às 16:21  
Anonymous Anónimo said...

Lê-se no PÚBLICO-online:

«O bispo da diocese de Bragança-Miranda e vice-presidente da Conferência Episcopal, D. António Moreira Montes, comparou hoje o aborto à pena de morte, usando como termo de comparação o enforcamento do ex-Presidente iraquiano Saddam Hussein, noticiou a agência Lusa».

Vale a pena ler:
www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1282496&idCanal=21

15 de janeiro de 2007 às 16:31  
Anonymous Anónimo said...

Vídeo mostra decapitação do meio-irmão de Saddam
Nova polémica com as execuções no Iraque


As autoridades iraquianas divulgaram hoje um vídeo oficial das execuções de dois co-acusados de Saddam Hussein em que se vê o cadáver decapitado do meio-irmão do ex-ditador estendido no chão e a cabeça a vários metros de distância.

http://jn.sapo.pt/2007/01/15/ultimas/V_deo_mostra_decapita_o_do_m.html
_________________

Vamos agora esperar para ver qual o tratamento "humorístico" que alguém vai dar a isto. Se calhar, vão fazer trocadilhos com "Perdeu a cabeça" (ou coisa que o valha).

Não há dúvida: «Diz-me o que te faz rir, dir-te-ei quem és».

Ed

15 de janeiro de 2007 às 16:38  
Anonymous Anónimo said...

O humor deles acaba por ser como certos bolinhos... quando são caseiros são óptimos, passam a ter de ser massificados e perdem a graça e aquilo que os fazia únicos e óptimos.

15 de janeiro de 2007 às 19:41  
Blogger DiNg0 said...

Caso alguém não tenha visto o sketch, aqui está o link: http://www.youtube.com/watch?v=G3PQtsGLed8

Ja agora, quem nunca se riu das piadas secas de hitler e hans?Ou esboçou mesmo um sorriso com as imagens alteradas do 11 de Setembro?

O ser humano é um ser complexo, consegue rir daquilo que desconhece...

15 de janeiro de 2007 às 19:42  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

«Ou esboçou mesmo um sorriso com as imagens alteradas do 11 de Setembro?»

Eu não fujo do humor negro, mas nunca me ri de piadas sobre o 11 de Setembro. Talvez porque esteja demasiado perto, não sei.

No ano passado, no programa «Directo ao Assunto», CPC perguntou a vários humoristas se se podia fazer humor com tudo.

Os mais jovens disseram que sim - sem hesitar. Mas Solnado, também presente, respondeu que «há coisas com que é preciso ter cuidado».

Uma execução REAL (*), para mim, está entre aquelas coisas em que o humor não cola.

Mas concordo que «O ser humano é um ser complexo...»

__

(*) O que quero dizer é que, dentro do humor-negro, pode ter graça uma anedota sobre uma execução. Mas sobre uma concreta, bem real, ali à nossa vista, com o vídeo a mostrar o condenado...
Lamento, mas não faz o meu género.

Quanto ao Hitler:
Claro que há paródias com graça (a de «O Grande Ditador», do Chaplin, é a mais famosa).
Mas imagine-se uma anedota sobre um campo de concentração contada logo a seguir a um filme de uma câmara de gás, bem real - e a propósito desses mesmos mortos.
Lamento, mas não faz o meu género.

15 de janeiro de 2007 às 20:04  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Vou tentar explicar-me melhor:

O humor exige uma certa distanciação e uma certa abstracção.
Para se comparar com este caso do "Gato Fedorento", é preciso recorrer a um exemplo como o seguinte:

Todos nós conhecemos anedotas de acidentes de automóvel - com mais ou menos graça.

Mas agora imagine-se que havia um filme REAL de um desatre REAL e recente, e que alguém fazia uma anedota acerca DESSE desastre concreto.

Eventualmente, num pequeno grupo de pessoas com os mesmos gostos, uma anedota dessas poderia fazer o seu curso.
Mas num programa do prime-time da TV pública?...

15 de janeiro de 2007 às 20:24  
Anonymous Anónimo said...

As piadas ofensivas (e são muitas), têm sempre dois pratos de balança: a ofensa e a piada. Se a ofensa for maior que a piada, é para esquecer. E isso acontece com inúmeras "anedotas" em que se fomenta preconceitos com um humor francamente pobre.

No caso deste sketch, penso que os pratos estão equilibrados (não me ofendeu particularmente, também não achei muita piada). Acho que um enforcamento é muito diferente de um acidente de automóvel. No fundo, pode-se também ler o sketch como uma condenação à pena de morte.

16 de janeiro de 2007 às 09:39  

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