7.3.07

Por um Ministério do Território

O ESTADO anda muito desencontrado nos seus propósitos.
Tanto se retira do território e dos serviços a prestar aos cidadãos como obriga estes a colaborarem com ele cada vez mais. Tanto fecha uma unidade hospitalar como sentencia que os médicos devem colaborar com os tribunais diagnosticando os pacientes em público. Tanto exibe a eficiência dos colectores de impostos como ficciona ter uma população com o computador na ponta da língua, pronta a enviar as declarações de rendimentos pela via informática, desde as ruínas históricas de Santa Comba Dão até às imediações do offshore da Madeira... tanto exibe o cartão único do cidadão como se dispersa nos ministérios a decidir o fecho e a abertura de serviços públicos sem qualquer ficha de coordenação interterritorial onde assente o mapa da suas hiperpresenças e das suas altivas ausências.
À primeira vista, o único ministério que se ocupa preferencialmente do território em Portugal é o do Ambiente. É um ministério delicado, cheio de subtilezas fluidas como a qualidade de águas, ar e florestas, costas e litoral, zonas reservadas naturais e artificiais, exibindo cientificamente os seus catálogos de exclusividades e excepções. É um ministério simpático em geral, e geralmente maçador em particular. Não duvido da sua utilidade prática, mas não me interessa particularmente quando assisto às intervenções categóricas sobre o território dos outros ministérios, como os da Educação, da Saúde, da Administração Interna, da Justiça, que, em ordem dispersa, fecham aqui, abrem acolá, concentram e desconcentram na lógica individual dos seus serviços.
Este tema ocorreu-me quando foi noticiado que o primeiro-ministro aconselhou o seu ministro da Saúde a reunir-se com os autarcas para concertar posições sobre as urgências hospitalares. Sem pôr em causa a utilidade do procedimento, imaginei os resultados desse método, se usado entre os próprios ministros, no princípio da legislatura, ou mal os peritos de cada ministério se lançaram denodadamente no estudo sectorial do ermamento do Estado no território nacional. Cada ministro levaria o mapa de Portugal, assinalando com cores os cortes e as concentrações. E depois um ministro mais global repararia nas interrupções dos serviços públicos, nos hiatos entre a população e o Estado, e faria de defensor dos territórios abandonados ou apenas descuidados. Então, chamaria uma agência especializada em cartões únicos e pedir-lhe-ia que perfurasse as possíveis coordenações. E desse multiusos de hospitais, esquadras, escolas, tribunais, e até quartéis e outro património militar, talvez surgisse uma política concertada para a presença do Estado com os seus diversos serviços públicos espalhados pelo país. Para evitar que nalguns lugares o Estado seja só impostos e eleições.
É claro que a lógica da quadrícula militar não é a mesma da quadrícula policial e que a localização das escolas pode distanciar-se da das maternidades, como entre as delegações da Polícia Judiciária e a existência de Tribunais de Relação uma certa distância é concebível, mas custa-me ver que um período tão activo de transformação no aparelho de Estado esteja apenas sujeito a critérios sectoriais e isolados uns dos outros, quando uma certa coerência geral da presença dos serviços públicos no território teria sido possível. Tanto mais que o Governo é de maioria absoluta, tanto mais que não falta autoridade política e pessoal ao primeiro-ministro para actuar para além da lógica especializada dos estudos de custos e benefícios.
E tanto mais que não falta ao Governo cultura de coordenação. Depois do cartão único do cidadão que está a ser experimentado nas ilhas dos Açores, avançou-se agora para a figura de um secretário-geral que comandará as principais forças de segurança (PJ, SEF, GNR e PSP). O cruzamento de dados nas repartições de impostos já funciona com resultados positivos na colecta...
Então porquê esta actuação meramente departamental do Governo sobre o território?
O território não é só ambiente, e um Estado membro da União Europeia tem de saber cuidar especialmente do seu ambiente e da sua população, senão some-se. Só assim se garante a segurança num país onde a coesão social, económica e territorial é constitucionalmente "Tarefa Fundamental" do Estado. Aliás, assiste-se nestes últimos dias a uma espécie de revolta do território encabeçada por autarcas, e à mobilização de populações pelos sindicatos. Há gente no Governo, e na maioria, capaz de entender esses sinais.
José Medeiros Ferreira - «DN» 6 Mar 07 - [PH]

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Artigos longos adaptam-se mal a uma leitura no monitor.

E é pena, pois podem ser muito interessantes, como é o caso deste.

Duarte R.

7 de março de 2007 às 09:19  
Anonymous Anónimo said...

Já dizia o homem do "pântano", que, devemos tratar do povo antes que o povo "trate" de nós.
Palavras sábias...

7 de março de 2007 às 10:09  

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