28.5.07

O RESPEITINHO É MUITO BONITO

Por Carlos Fiolhais
HOUVE QUEM FICASSE ADMIRADO com a votação que Salazar obteve num recente programa televisivo. Foi uma maioria silenciosa, uma maioria que não se sabia bem onde estava. A Senhora Dona Margarida Moreira acaba de tornar público o seu voto. E ela está, ai de nós, à frente da Direcção Regional da Educação do Norte.
Era uma portuguesa anónima, justa e merecidamente anónima. Mas hoje sabemos que existe porque levantou um processo disciplinar a um professor destacado naquela Direcção que teria dito em privado uma frase jocosa relativa à licenciatura do primeiro ministro. A Directora, ou melhor a Excelentíssima Senhora Directora (não vá ela levantar outro processo), parece saída de um Portugal que julgávamos passado: o país das paredes com ouvidos, do respeitinho é muito bonito e daquilo que Alexandre O’Neill chamou o “modo funcionário de viver”.
Julgava que a liberdade de expressão era um direito adquirido, mas agora já não estou tão certo disso. A tradição dos caciques locais agradarem aos chefes ainda é o que é. Não tenho quaisquer dúvidas que o governo eleito da nação respeita os valores básicos da democracia, a começar com certeza pelo primeiro ministro. Mas já não estou tão certo que todos os nomeados pelo governo tenham a mesma atitude. Nomeadamente, a avaliar pela amostra, os directores regionais. Mesmo dando de barato que não tenha sido uma graçola mas um insulto (e quem é que vai dizer onde acaba uma e começa outro?), não lembraria a ninguém que se use a máquina do Estado para desagravar o putativo insultado. É que não foi em público, mas entre as quatro paredes de um gabinete.
Como se trata de educação, atrevo-me a pensar que este caso pode ser pedagógico: agora que se volta a falar de regionalização, e da possibilidade de um novo referendo, eu acho que não convém regionalizar à pressa quando o que está regionalizado já funciona dessa maneira tão funcionária. Não tenho nada contra as competências regionais, mas tremo só de pensar na proliferação de incompetências que uma regionalização mal feita pode causar. Se, quando ainda não há regiões, tem sido um fartar vilanagem, pergunto-me como será quando as houver. As clientelas partidárias, que se têm alimentado de lugares do Estado, estão sedentas de mais... Atrevo-me até a ser mais radical: se, de hoje para amanhã, se extinguissem as Direcções Regionais, da Educação e do resto (por mim, podem também acabar com os Governos Civis, um resquício do tempo em que não havia comunicações rápidas), o país ficaria seguramente melhor. Além de que seria bastante mais barato.
O facto de ser uma Directora Regional do Ministério da Educação a mostrar serviço de uma maneira tão zelosa indica também, em particular, a necessidade de aliviar a máquina burocrática daquele Ministério. Uma parte dela serve para fazer escutas internas? Registar denúncias? E levantar processos (“procedimentos”, conforme eufemisticamente lhe chamou um Secretário de Estado, a sacudir a água do capote)? Não têm mesmo mais nada que fazer? A educação nacional, com o funcionamento que está à vista, continua doente. Está refém não só de alguns pedagogos, mas também de alguns funcionários. Não basta fechar escolas, é preciso também fechar repartições.
Muitas piadas têm corrido à custa da Universidade Independente e, se o Ministério da Educação as quer proibir, vai ter muito com que se entreter. E, sobretudo, não será um acto inteligente. A falta de sentido de humor é, em geral, uma manifestação de burrice. Eu, como muita gente, sentia-me feliz por a televisão pública transmitir programas humorísticos que faziam referência à licenciatura do primeiro ministro. Mas a Excelentíssima Senhora Directora deu-me sérios motivos para inquietação ao vir lembrar que o respeitinho é muito bonito. Eu tenho muito respeito pelo respeito, mas nenhum pelo respeitinho. Receio agora que os “Gatos Fedorentos” levem com outro processo em cima (já têm um do Pinto da Costa). A sorte deles é não estarem dependentes de nenhuma Direcção Regional da Televisão do Norte.
«PÚBLICO» de 25 Maio de 2007 - [PH]
O blogue do autor, DE RERUM NATURA, onde esta crónica também está, merece bem uma visita!

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