28.6.07

OS ENLEVOS PATRIÓTICOS

Por Baptista Bastos

O CASO DA LOCALIZAÇÃO do novo aeroporto de Lisboa parece uma batalha de tribos indocumentadas, sem nome e sem apelidos, porém muito preocupadas com o bem-estar da Nação. O negócio envolve milhões de milhões de milhões. E suscitou, imediatamente, a comoção patriótica dos bancos e da alta finança, sempre apoquentados com o nosso futuro e mortificados com as ameaças que pesam sobre a nossa qualidade de vida.
Alcochete e Portela+1 deixaram de ser hipóteses para se transformar em pretextos estucados por uma retórica absurda: não adiantam, não atrasam nem alteram a decisão. O Executivo Sócrates é nhurro. Desconhece que as vitórias são alcançadas com limitações, pluralidade e princípios. E o patético "jamais, jamais, jamais", do ministro Lino significa autoritarismo e soberba mas, também, imobilismo e desprezo.
O súbito arrebatamento patriótico de "grupos económicos", cuja natureza se ignora, mas de desígnios evidentes, representa a constante inventiva estilística do capitalismo. Todos os interessados no novo aeroporto declaram o seu extremado amor a Portugal e a estremecida ternura pelo povo. A celebração desses nobilíssimos sentimentos é feita através de um caudal de palavras e de acções, cuja força atordoa a nossa incipiente sabedoria.
Os estudos realizados implicam montantes consideráveis. Não se sabe quem os pagou. Mas esta gente escondida não é benemérita, não é bondosa, não é filantrópica. Vai receber algo em troca. O dr. Cavaco recebe representantes de uma alternativa, e começam todos a falar ao mesmo tempo de "interesse nacional", de "visibilidade no estrangeiro", de "urgência na modernidade". O "interesse nacional" e a "modernidade" servem para tudo: como o Freud e o Pessoa.
O português desespera: começa a compreender que não há convicções, nem esperança, nem felicidade - a não ser no céu, para os católicos; e no futuro, para os progressistas. Este é o País dos dez estádios, não o esqueçamos. Onde se encerram escolas, hospitais, serviços de saúde, maternidades, consulados. Onde se cerca a imprensa, se fecham serviços consulares, se ignora os emigrantes e se despreza os imigrados.
A questão está concentrada num só projecto, o que transforma a aparente discussão num assunto inútil, por irremediável. O aeroporto será na Ota.
NO MOMENTO: Aplausos para a intervenção de Luís Filipe Menezes, anteontem, no Frente-a-Frente, da SIC Notícias. Criticou a ofensiva contra o Sistema Nacional de Saúde, e a abstrusa destruição do subsistema dos jornalistas, com factos e números tão importantes como significativos.
«DN» de 27 de Junho de 2007- [PH]

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