15.6.07

A QUADRATURA DO CIRCO

A arte do furto
Por Pedro Barroso
A VELHINHA roubou um sabonete.
Aqui d’el-rei. A velhinha rouba sabonetes.
De que preço era o sabonete? €2,99.
Inqualificável. Furto, dolo, abuso de confiança, associação criminosa, sabe-se lá!
E a quem roubou a velhinha o sabonete?
A um hipermercado atento e legalizado, de um qualquer Belmiro, Amorim ou Leclerc, gente carenciada e bons pais de família, zelosos da higiene da nação a preços módicos, verdadeiros paladinos da bondade e da filantropia. Possuem cadeias de hipermercados onde ganham mais de €3 de cada vez que um cliente respira.
São estabelecimentos com milhares de consumidores e clientes diários. Por isso mesmo, roubar um sabonete é um péssimo exemplo.
Tantos roubam no entretanto caminho da oferta, da matéria prima, à produção, à fabrica, à montagem, à embalagem, à distribuição e ao consumo, que o referido cujo sabonete deve ter um custo real de €0,0001.
Logo, provavelmente, podia até ser distribuído grátis na compra de um par de peúgas.
Mas adiante.
Os clientes de supermercados não são, é sabido, gente de confiar. Organizam-se em bandos e famílias. Encolhem o orçamento a cada mês e ocultam a miséria com o engenho possível. Macarrão com carne. Ou se calhar, macarrão só com molho.
Um mundo de engenhosas estratégias, destinadas a sabotar a sociedade de consumo e a combater a inflação. Na conformidade, é suposto que uns roubarão, outros não. Uns são apanhados e outros nem por isso.
Os fornecedores, reconhecendo isso, até dão uma margem, só para que não lhes recusem o negócio.
Mas a perigosa e astuta velhinha sabe-se lá quantas vezes já roubou sabonetes na vida? Diz-se até que, com tanta idade, nunca se lavou que não fosse com sabonete roubado.
Matreira mas limpinha. Um prejuízo nacional.
Por outro lado, o país acha-se na necessidade de avançar com a devida investigação. Coisa séria, levada a peito. Os ingleses andam espreitando; é preciso rigor.
Sabe-se lá se a velhinha é um perigoso membro da Al Quaeda, conhecida instituição anarquista dinamitadora de pontes para o deserto e prateleiras de supermercado?
Ao ser analisado o referido cujo objecto furtado, verificou-se que o mesmo continha glicerina, um poderosíssimo explosivo da família das nitroglicerinas!
Perigosíssima, a velhinha! Eu disse.
A defesa e estabilidade da Nação dependem do combate a crimes assim!
Entretanto, contabilizando as investigações e processos; o tempo gasto com juízes; o labor de advogados e outros funcionários variados por conta do erário publico; o tempo gasto com a perigosa e audaz investigação do assunto por parte da Judiciaria; o gasóleo da GNR ao ir notificar de jipe duas vezes a velhinha lá a casa, e as necessárias peritagens de polícia cientifica para neutralizar o perigoso objecto furtado, foi recentemente julgado pelo emérito fiscalista e nosso colega de blog Saldanha Sanches que o referido sabonete já nos custou a todos 19 576 euros e 56 cêntimos.
Se não foi ele que fez o cálculo, teve pena de não ser.
Acho que ele adoraria ter feito essas contas.
Mas concluindo.
Digam à senhora se faz favor, que – se isso servir para a melhoria da higiene lá no prédio e o bem estar de todos os utentes do eléctrico da Estrela – eu próprio vou lá e pago o sabonete ao Belmiro, ou seja lá quem for.
Deixem a velhinha tomar banho à vontade.
E já agora, por favor, persigam atentamente todos os perigosos cleptómanos que o país tem, nitidamente, em excesso. Mas a começar mais alto.
No mínimo, sais-de-banho de marca.
Tem mais charme e sempre faz espuma.

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8 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Anedota, enviada por JESCA, bem a propósito:
_______

Uma senhora de idade foi presa por roubar no supermercado.
Quando estava no tribunal, o juiz perguntou-lhe:
-O que é que a senhora roubou?
Ela respondeu:
-Uma lata pequena de pêssegos.

O juiz perguntou-lhe o motivo do roubo, e ela respondeu:
-Porque estava com fome.

O juiz então perguntou à velha senhora quantos pêssegos tinha a lata:
-Tinha 6 pêssegos.

O juiz então disse:
- Vou-a mandar prender por 6 dias, 1 dia por cada pêssego.

Mas antes que o juiz pudesse terminar a sentença, o marido perguntou se poderia ter uma palavra com o juiz sobre o acontecido...

O Juiz disse que sim, e perguntou o que queria ele dizer.
Então o marido da velha disse:
- Ela também roubou uma lata de ervilhas...·

15 de junho de 2007 às 11:46  
Anonymous Anónimo said...

Esta é a 2ª história de velhinhas apanhadas a roubar em supermercados: a outra roubou um cosmético, esta roubou um sabonete. Se calhar, até é a mesma.

Mas este é um assunto melindroso, que é preciso abordar com alguns cuidados, até porque se presta a demagogias do género «o pobrezinho que rouba o rico» coloca-se na posição do «ladrão que rouba ladrão, pelo que tem 100 anos de perdão»

Por um lado, é preciso que haja proporção de meios face ao roubo (uma ida à esquadra, se calhar, até era de mais).
Mas, por outro lado, não se pode criar a ideia de que, se o cliente for "velhinho" e o roubo for "pequeno", o mau da fita - afinal! - é o roubado e não o ladrão.

Mas, se a filosofia for essa, então convém assentar ideias - e até afixá-las à porta e (porque não?) em folhetos publicitários:

Acima de que idade é que se pode roubar sem problemas?
Abaixo de que valor é que um roubo deixa de ser condenável?

15 de junho de 2007 às 12:55  
Anonymous Anónimo said...

Tem de haver bom-senso:

Nem a Justiça pode perder muito tempo com ninharias, nem se pode criar a ideia de que se pode roubar à vontade desde que o roubo seja "pequeno" (e quem define o que é "pequeno"?) e cometido por velhinhos M/F (e quem define a idade para "velhinho"?).

Obrigar a pessoa a pagar, é claro que é mínimo que se pode (e deve) fazer. Mas é claro que não chega, senão valia sempre a pena tentar... Mas talvez a proibição de entrar nessa loja durante algum tempo seja suficiente.

16 de junho de 2007 às 20:00  
Blogger Menina Marota said...

Mas fica a dúvida... a senhora apresentou recibo de pagamento...
Roubou afinal?
E se pagou e foi acusada falsamente, não pode instaurar um processo de difamação e um pedido de indemnização por danos morais e... ?

Ladrões de milhares andam por aí soltos... e uma velhinha é logo julgada?

Pois.... :-)))

17 de junho de 2007 às 12:13  
Anonymous Anónimo said...

A notícia (como todas as outras, semelhantes) dão de barato que a senhora, de facto, roubou; e põem a tónica nos outros aspectos, nomeadamente na desproporção de recursos gastos a acusá-la. Claro que se não fosse assim, o assunto nem sequer era notícia.

Posto isso, o que se dispensa é o "choradinho" do género «é velhinha... coitadinha... não faz mal, há quem roube mais...».

É que essa teoria de «há quem roube mais...» dá para tudo, desde o carteirista de metro até ao autarca mais gatuno pois, procurando bem, há sempre quem roube mais.

17 de junho de 2007 às 12:29  
Anonymous Anónimo said...

Numa sociedade saudável, todos os crimes têm de ser encarados de frente.
Quando muito, o que pode questionar-se (e o texto de PB é, essencialmente, em torno disso) é a proporção de meios:

Um crime grande pode ter de movimentar meios grandes e ter penas grandes; um crime pequeno, poderá contentar-se com meios pequenos e ter penas pequenas.

Quanto a uma «pena ZERO para velhinhos velhinhas que cometam roubos pequenos»... não sei se existe em algum país do mundo.

-

Note-se que quem fez a notícia (e quem a comenta) parte do princípio que a velhinha da notícia é pobre. Mas onde é que isso está dito?
Não está.
Nós é que, nos nossos preconceitos, achamos que se uma velhinha rouba um sabonete é porque é pobre.
Não é nada evidente:
Nos supermercados, os roubos são variadíssimos e cometidos por pessoas de todas as classes e idades.

Ed

17 de junho de 2007 às 13:10  
Anonymous Anónimo said...

esclarecimento aos mais chocados legalistas- o texto nao é sobre desculpa; é sobre desproporção de meios.
há q resolver estas coisas à porta do estabelecimento ou com julgados de paz rapidos, cirurgicos e eficazes.
longe de mim desculpabilizar o crime como, ao que parece, ultimamente se pretende instituir.
mas conseguir resolver as coisas tambem sem perder para o erario publico uma proporção de 5000 vezes o preço da culpa.
caricata culpa para tanta eficácia. por contraste com tantos casos onde ha caricata eficacia para tanta culpa.
eis o q quis dizer.
pb

17 de junho de 2007 às 16:38  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Acabei de receber, de José Mário Costa, esta velha história que, de certa forma, se aplica bem ao caso:
_______


Diz a lenda que Bocage, ao chegar a casa um certo dia, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal.

Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar seus patos de criação.

Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:


- Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos Bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, confuso, diz:

- Doutor, afinal eu levo ou deixo os patos?!

17 de junho de 2007 às 22:07  

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