4.8.07

OS DOIS SOLITÁRIOS

Por Carlos Fiolhais
AS MANCHETES ENCHERAM OS JORNAIS, as rádios e as televisões: Jaime Jiménez Arbe, “El Solitario”, o maior assaltante de bancos espanhol de todos os tempos, autor individual ao longo dos últimos 13 anos de 36 assaltos que lhe renderam 700 mil euros e assassino de três guardas, foi apanhado em flagrante pela polícia portuguesa na Figueira da Foz. Detido na cadeia de alta segurança de Monsanto, ensaiou há dias uma greve de fome, entretanto interrompida, exigindo a transferência para a penitenciária de Coimbra.
A razão é óbvia. A cadeia de Coimbra, na alta da cidade, é de baixa segurança e tem registado tantas fugas que já houve quem propusesse a instalação de uma agência de viagens nos seus muros. Uma das fugas mais famosas foi a do “Solitário” português. Esta é a alcunha de Manuel Marques Simões, que, em escassos dois anos (de 1998 a 2000), efectuou sozinho 29 assaltos à mão armada, que lhe renderam 500 mil euros. O rendimento médio é muito melhor do que o do espanhol, sendo ele tanto mais de realçar quando foi obtido em menos tempo e com nenhum sangue. Portanto, neste Portugal-Espanha em solitários, ganhamos com alguma vantagem. Também ganhamos no Portugal-Espanha em polícias pois a nossa polícia conseguiu apanhar o solitário deles à primeira vez que veio cá e a deles nunca conseguiu apanhar o nosso, que, emigrado em França, atravessava a Espanha toda para vir levantar dinheiro aos bancos nacionais.
No entanto, o nosso solitário portou-se sempre como um estagiário do assalto: era tomado de pânico sempre que roubava. Sabe-se que a primeira vez custa sempre mais, mas para ele todas as vezes eram como a primeira. Em vez de gritar convictamente “Isto é um assalto”, balbuciava transido de medo: “Isto..., queira desculpar, lamento mas é um assalto”, A acreditar no “Correio da Manhã” de 26/8/2006 chegou a chorar durante um assalto, queixando-se da sua infeliz situação pessoal e familiar (o jornal não esclarece se os assaltados ficaram comovidos e não acrescentaram uma contribuição pessoal aos proventos do furto). Mas foi tendo sorte. Esta só terminou quando o bandido foi capturado em acção, precisamente por ter deixado de ser solitário e ter pedido a colaboração de um romeno. Quem lhe mandou alargar a quadrilha, se o romeno nem sequer conseguia ter medo e tremer?
Condenado a pena de 21 anos (reduzida a 15 por recurso), fugiu em 2005 da prisão de Coimbra quando lhe mandaram pôr um balde de lixo na rua. Em vez de passar o camião do lixo, passou um carro com dois cúmplices. Apanhado passados poucos meses, no julgamento relativo à fuga, a sua advogada defendeu, embora debalde, que o seu constituinte não tinha fugido, mas tinha sido raptado quando ia de balde. Pois o solitário espanhol, um bandido bem informado, devia saber desta história e queria aproveitar a cadeia de Coimbra enquanto ela existe (há uma ideia, desperdiçada pela Câmara de Coimbra, de transformar o espaço prisional num grande espaço cultural). Os guardas de Monsanto felizmente não se comoveram...
Vamos a ver se nenhum dos dois solitários foge. Não é de descartar esse perigo pois Portugal detém o primeiro lugar no maior número de presos que fugiram de uma prisão de alta segurança. Em prisões perdemos com os espanhóis. Pior do que a de Coimbra é a de Alcoentre (a propósito de Alcoentre, espero que não lhe troquem o “Al” por “All”, como fizeram com o Algarve!). O livro “The Book of Heroic Failures”, de Stephen Pile (Routledge, 1979), inclui nos recordes mundiais da asneira a fuga de 124 presos de Alcoentre em Julho de 1978. Essa fuga foi rocambolesca, pois tinha passado na prisão uns dias antes o filme “A Grande Evasão”, tinham desaparecido muitas ferramentas e tinham faltado à chamada alguns presos que estavam em trabalhos de escavação. Mas o mais surpreendente foi a justificação do Ministro da Justiça da altura: “A fuga é normal, pois qualquer preso tem o desejo legítimo de regressar à liberdade”. Em justificações ganhamos a qualquer país do mundo.

«Público» de 3 de Agosto de 2007 -[PH]

Etiquetas: