Portugal virtual...
Por Deana Barroqueiro
A crítica de Carlos Pinto Coelho («Acontece...», de 30 de Julho) e os comentários dos leitores do SORUMBÁTICO, em especial o de Bárbara, ao pouco cuidado com que se trata dos nossos monumentos, da nossa língua e cultura, recordaram-me a indignação que me levou a escrever o artigo de intervenção “Portugal Virtual...” (16-01-2004) para o Jornal do Fundão, a propósito da “serventia” dada ao nosso Panteão Nacional, de que gostaria de vos dar a ler este excerto, apesar de datado de há 3 anos:
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“...Mas como se pode promover esse amor pelo que é nosso, se na formação dos nossos políticos e responsáveis pelas instituições e pelos ministérios a cultura pesou pouco? Basta ver com que insustentável leveza de alma o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) cedeu há pouco mais de um mês, à Editorial Presença, as magníficas instalações barrocas do Panteão Nacional, onde estão sepultados os nossos maiores escritores e outros homens de génio e inteligência, para realizar um sabath de bruxas carnavalescas (deveria escrever Holloween?) e apresentar o último (em 2004) romance do Harry Potter! Mesmo se fosse para aí sepultar a autora, após a sua morte, eu perguntar-me-ia que relação poderia haver entre a multimilionária Rowling e Portugal, a não ser a aversão, por ela mesma confessada nos jornais, a este país e ao seu casamento falhado com um cidadão português. (...)
No entanto, quantas vozes se ergueram indignadas contra essa palhaçada feita num dos grandes símbolos da nossa Cultura e da nossa História? Muito poucas e não foram ouvidas. Segundo a justificação posteriormente dada, os organizadores respeitaram o monumento, tapando “os túmulos das ilustres figuras”. Todavia, para a próxima harrypotteria, eu sugiro que esses monos portugueses fora de moda e desconhecidos (foram expulsos dos programas escolares por exigirem demasiado esforço mental aos estudantes) sejam substituídos pelas esculturas tumulares, em plástico ou outro material moderno e fosforescente, dos nossos novos heróis: Homem-Aranha, Batman, Demolidor, Super-Homem, Rato Mickey, etc.
Como o IPPAR não tem cara, sabemos que não pode corar de vergonha. E, pelos vistos, a Editorial Presença também não!
Vem de longe esta falta de amor pelo que é nosso, pelo património cultural riquíssimo deste país, porque os portugueses não foram ensinados a conhecê-lo e a respeitá-lo, quando isso deve ser feito desde a infância. Temos perdido património sem preço, ao longo dos tempos e continuamos a perdê-lo. (...)
Deixemo-nos, pois, ficar pelos estádios de futebol, centros comerciais, feiras e arraiais pimba, programas televisivos de canções e anedotas grosseiras, de palavrão fácil e gesto obsceno, para gáudio dos nossos VIP e, com alguns subsídios ou fundos europeus e americanos, poderemos transformar outros monumentos portugueses (sobretudo os museus que são armazéns de coisas velhas que ninguém quer visitar) numa Monumental Disneylandia Portuguesa que em Lisboa, pelo menos, substituiria com vantagem a extinta Feira Popular.
E nem precisaríamos de criar ou contratar os Patetas (Goofy), os Patos (Donald), os Ratos (Mickey), os Porcos (Porky), as Margaridas (Daysies) e as Minnies, pois essas personagens, temo-las nós cá, a granel, de todos os pesos e medidas e para todos os gostos.”
«Jornal do Fundão» de 16 de Janeiro de 2004
1 Comments:
Fabulosa, esta crónica de Deana Barroqueiro! Uma lição de firmeza de convicções, exposta com elegãncia. Que diferença da permanente arruaça de Baptista Bastos. Já não se pode! Obrigado, Deana!
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