1.8.07

Portugal virtual...

Por Deana Barroqueiro
A crítica de Carlos Pinto Coelho («Acontece...», de 30 de Julho) e os comentários dos leitores do SORUMBÁTICO, em especial o de Bárbara, ao pouco cuidado com que se trata dos nossos monumentos, da nossa língua e cultura, recordaram-me a indignação que me levou a escrever o artigo de intervenção “Portugal Virtual...” (16-01-2004) para o Jornal do Fundão, a propósito da “serventia” dada ao nosso Panteão Nacional, de que gostaria de vos dar a ler este excerto, apesar de datado de há 3 anos:
-oOo-
“...Mas como se pode promover esse amor pelo que é nosso, se na formação dos nossos políticos e responsáveis pelas instituições e pelos ministérios a cultura pesou pouco? Basta ver com que insustentável leveza de alma o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) cedeu há pouco mais de um mês, à Editorial Presença, as magníficas instalações barrocas do Panteão Nacional, onde estão sepultados os nossos maiores escritores e outros homens de génio e inteligência, para realizar um sabath de bruxas carnavalescas (deveria escrever Holloween?) e apresentar o último (em 2004) romance do Harry Potter! Mesmo se fosse para aí sepultar a autora, após a sua morte, eu perguntar-me-ia que relação poderia haver entre a multimilionária Rowling e Portugal, a não ser a aversão, por ela mesma confessada nos jornais, a este país e ao seu casamento falhado com um cidadão português. (...)
No entanto, quantas vozes se ergueram indignadas contra essa palhaçada feita num dos grandes símbolos da nossa Cultura e da nossa História? Muito poucas e não foram ouvidas. Segundo a justificação posteriormente dada, os organizadores respeitaram o monumento, tapando “os túmulos das ilustres figuras”. Todavia, para a próxima harrypotteria, eu sugiro que esses monos portugueses fora de moda e desconhecidos (foram expulsos dos programas escolares por exigirem demasiado esforço mental aos estudantes) sejam substituídos pelas esculturas tumulares, em plástico ou outro material moderno e fosforescente, dos nossos novos heróis: Homem-Aranha, Batman, Demolidor, Super-Homem, Rato Mickey, etc.
Como o IPPAR não tem cara, sabemos que não pode corar de vergonha. E, pelos vistos, a Editorial Presença também não!
Vem de longe esta falta de amor pelo que é nosso, pelo património cultural riquíssimo deste país, porque os portugueses não foram ensinados a conhecê-lo e a respeitá-lo, quando isso deve ser feito desde a infância. Temos perdido património sem preço, ao longo dos tempos e continuamos a perdê-lo. (...)
Deixemo-nos, pois, ficar pelos estádios de futebol, centros comerciais, feiras e arraiais pimba, programas televisivos de canções e anedotas grosseiras, de palavrão fácil e gesto obsceno, para gáudio dos nossos VIP e, com alguns subsídios ou fundos europeus e americanos, poderemos transformar outros monumentos portugueses (sobretudo os museus que são armazéns de coisas velhas que ninguém quer visitar) numa Monumental Disneylandia Portuguesa que em Lisboa, pelo menos, substituiria com vantagem a extinta Feira Popular.
E nem precisaríamos de criar ou contratar os Patetas (Goofy), os Patos (Donald), os Ratos (Mickey), os Porcos (Porky), as Margaridas (Daysies) e as Minnies, pois essas personagens, temo-las nós cá, a granel, de todos os pesos e medidas e para todos os gostos.”
«Jornal do Fundão» de 16 de Janeiro de 2004

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Fabulosa, esta crónica de Deana Barroqueiro! Uma lição de firmeza de convicções, exposta com elegãncia. Que diferença da permanente arruaça de Baptista Bastos. Já não se pode! Obrigado, Deana!

2 de agosto de 2007 às 19:37  

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