E VIVA O «PRECARIADO»!
Por Alfredo Barroso
EM ABONO DA VERDADE se diga que era a direita que queria pôr este país nos eixos. Mas a incompetência e o descrédito dos seus governos (Durão Barroso e Santana Lopes, ambos com Paulo Portas) fez com que eles caíssem, isto é, fugissem ou fossem corridos por indecente e má figura, para utilizar uma das expressões do povo fora dos eixos.
Criou-se, assim, um nicho (político) de mercado, propício a quem quisesse pôr o país na ordem - ou a pôr ordem no país, se optarmos por uma versão mais suave. Ordem nas contas públicas, no deve e haver do Estado, nos lucros das grandes empresas e nas perdas dos pequenos cidadãos, nos salários de quem ainda tem emprego, nos subsídios de quem já não o tem e nas reformas dos que estão a ficar com os pés para a cova.
O despropósito e despautério da direita lusíada fizeram com que esse formidável nicho de mercado viesse a ser ocupado, rapidamente e em força, pela chamada esquerda moderna (seja lá isso o que for), que se diz muito amiga dos pobres, mas prefere deitar-se com os ricos (certamente porque não cheiram mal da boca). E é nisso que estamos.
Sejamos sérios: para conservar a nação em bom estado, é preciso pôr o país nos eixos e meter o povo na ordem. O pedigree de esquerda (como diz o outro) é um óptimo disfarce e ajuda muito a convencer um país que é (pau) para toda a obra e por isso gosta de ser (pau) mandado. Um país que refila, mas amocha. Está habituado a resignar-se.
Ora, num país resignado e sem alternativas (o engenheiro Sócrates tirou o tapete programático ao doutor Marques Mendes e este foi espojar-se no Chão da Lagoa), conta bastante o ar severo de quem discursa, a catadura sombria de quem manda, a capacidade de indignação espectacular de quem está no poder. Indignação – imagine-se! – perante o atrevimento dos que não se resignam a ser tramados pelo poder e a ficar mais pobres e desamparados em consequência das reformas corajosas (?) que esse poder lhes impõe. (Já repararam que o nosso primeiro-ministro está sempre zangado quando discursa?).
Mas vejamos. Os partidos políticos que constituem o chamado bloco central (PS e PPD/PSD) ou o arco da governabilidade (expressão inventada pela direita para incluir também o CDS/PP, e, sobretudo, para excluir os que estão à esquerda do PS, ou seja, o PCP e o BE), estabeleceram dois critérios essenciais (ditados pela ortodoxia neo-liberal em voga) para avaliar o estado da nação, a saber: a redução (rápida e brutal) do défice orçamental; o aumento (mesmo que muito pindérico) da taxa de crescimento do PIB.
Pois bem. À luz destes dois critérios, ninguém duvidará de que a performance do governo da esquerda moderna chefiado pelo engenheiro Sócrates é bastante superior às performances dos patéticos governos da direita chefiados pelos doutores Durão Barroso e Santana Lopes (o que fugiu e o que anda por aí). Para já não falar da performance dos outros governos da esquerda moderna chefiados pelo engenheiro António Guterres (que se refugiou entre os refugiados das Nações Unidas). Agora é que a direita rejubila! Quer dizer: a direita dos interesses, das empresas, da alta finança, em suma: da massaroca!
Claro que, se avaliarmos os resultados deste governo da esquerda moderna à luz de outros critérios totalmente legítimos (embora não caros ao neo-liberalismo em voga) – por exemplo: o poder de compra dos cidadãos, que continua a diminuir; e a coesão da sociedade, que continua a degradar-se à medida em que cresce o desemprego, aumenta a precariedade e se alarga o fosso entre ricos e pobres –, é evidentemente desconsolador o balanço dos que estão acocorados no nicho político deixado vago pela direita lusíada.
Digamos que aquilo que este governo da esquerda moderna tem estado a fazer, com mais eficácia do que os governos anteriores e mais aplauso da direita da massaroca, é aplicar, à classe média em geral e aos trabalhadores em especial, a técnica da banda gástrica (novo método político cujos direitos de autor vou registar): já não se trata só de apertar o cinto, mas também de reduzir artificialmente a vontade de comer. No fundo, o propósito é o de reformatar a modernidade económica, banindo do vocabulário corrente as perigosíssimas noções de desenvolvimento humano, equidade e bem-estar social.
Estamos, assim, a assistir à emergência de uma nova classe social, a que alguns sociólogos já chamam «precariado». Uma espécie de neologismo que resulta da síntese dos termos proletariado (ao qual fora arrancada grande parte da classe média, no século XX) e precariedade (do emprego, do salário, da vida quotidiana e, portanto, do futuro). Viva, então, o precariado! Uma nova classe social tanto mais vulnerável quanto menos solidários e mais solitários forem os seus putativos membros – política e sindicalmente incapazes de se organizarem, envergonhados pela sua despromoção social, com receio de serem tratados como comunistas pela esquerda moderna e, por isso, já resignados.
Eu, que nunca fui comunista nem alguma vez pertenci à esquerda moderna (sou, mais prosaicamente, social-democrata genuíno, nada fictício), não tenciono resignar-me. Mas tenho perfeita consciência de que pouco ou nada posso fazer, para além das linhas desta prosa sorumbática - que não agrada ao poder do dia, seja ele político ou outro. Fui varrido há meses dos lugares de estilo onde se escreve prosa política convencional, isto é, atenta, veneradora e obrigada, ou, então, vagamente irreverente e inconformista q. b.. Pus agora a cabecinha de fora. Espero bem que não seja cortada. E viva o precariado!
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21 Comments:
Ah, grande Alfredo Barroso! É bom vê-lo de volta a este blogue, especialmente com um texto lúcido e corajoso, como este é - e muito!
Espero que o tenha, também, enviado para jornais, pois bem merece divulgação.
Magnífica crónica. Bem-haja por a ter escrito!
Ed
Muito bom mesmo, exprime muito bem o estado da razão.
Alfredo:
Um amigo que não te esquece - e te aplaude. Como (quase) sempre. Se não vires inconveniente, permite-me que publique este magnífico escrito no meu blogue www.travessadoferreira.blogspot.com. Um abração
Só um aditamento. Se me quiseres contactar:
ferreihenrique@gmail.com
Outro abração
"Pus agora a cabecinha de fora..."
é bom respirar este ar puro, pese embora a puluição que nos sufoca!
Força aí!
Como todas as crónicas que são afixadas neste blogue (pelo menos as que são da autoria dos "contribuidores"), esta também pode ser divulgada sem restrições.
Apenas se pede que se refira o nome do autor (e, já agora e se possível, do blogue, também...)
Para efeitos de divulgação mais fácil, o link directo para o "post" é:
http://sorumbatico.blogspot.com/2007/07/e-viva-o-precariado.html
Venho por este meio pedir-lhe a si e a todos os blogistas que aqui comentam o favor de postar o link para este blog que humildemente comecei na esperanca de que todas as criancas desaparecidas em Portugal possam um dia ser encontradas.
http://www.myspace.com/portugueselostchildren
Nao quero ser figura publica,bem longe disso.
Vivo numa aldeia pacata do Alentejo,ja reformado da Banca.
Ha 1 mes dei conta que Maddie era falada em todo o mundo....mas os restantes vivem num limbo que o tempo encarregou de apagar das nossas memorias.
Peco desculpa por usar este blog em proveito dessas criancas,mas a esperanca que me norteia(de os encontrar)obriga-me a usar de todos os meios que me lembro.
Passo 5 horas por dia na net a divulgar o blog,sempre na esperanca que alguem se lembre de uma cara e traga uma crianca de volta aos seus pais.
Mas existem dias em que me revolto com o silencio dos media,de Sua Exa o Presidente da Republica,etc,etc....a quem tenho enviado mails sem fim.
Obrigado e mais uma vez as minhas desculpas por esta entrada em blog alheio.
Caro FM,
Para o que pretende, será talvez (mais) eficaz usar os «posts-abertos» que aqui se disponibilizam aos sábados de manhã e que são muito lidos.
Ainda bem que volto a encontrar Alfredo Barroso, pois há muito o tinha perdido de vista, dando-o como "um vencido da vida". É que a paisagem mediática fica mais rica e colorida com a sua presença e a sua verve. Quanto ao artigo em si, palmas com ambas as mãos, como dizia o outro.
«BASTA!!» Para compreender este desabafo, punhamo-nos na pele de Alfredo Barroso (e de outros como ele):
Toda a vida a lutar pela Liberdade, vê agora o partido de que foi fundador a ser dirigido por alguém que chegou ao topo da política "via TV" (depois de uma passagem pela JSD, não esqueçamos!), acolitado por umas tantas "anedotas-tipo-Pinho" e outros tantos PCs reciclados.
Este texto é um violento desabafo de alguém que já não aguenta mais ouvir esses trampolineiros a berrar, em bicos de pés, «Ninguém nos dá lições...!»
É que, se calhar, o mal é esse mesmo - ninguém lhes dar lições... - pois bem estão delas precisados!!
Alfredo Barroso vem duma maneira lúcida e corajosa colocar "o dedo na ferida".
De facto, desde que o PS, na sua ânsia pela conquista do poder, apagou todos os seus princípios programáticos e se colocou à direita da Direita, deixou de haver Esquerda (credível) em Portugal.
Os fundadores do PS, os ideólogos, aqueles que deveriam defender o partido dos oportunistas, calam-se para não prejudicar o partido que até está no poder. E os que se atrevem a falar levam como resposta "Ele diz sempre o mesmo"!
Por isso torna-se necessário que haja cada vez mais pessoas com coragem para dizer bem alto: EU SOU DO PS! NÃO DESTA "ESQUERDA MODERNA" QUE TOMOU PODER, PARA NOSSA DESGRAÇA.
Nunca me esquecerei de Alfredo Barroso. Foi por causa dele que deixei de ler O Expresso. Um certo artigo, que só podia ser imaginação delirante onde uns Helicópteros Americanos estavam a gasear uns curdos...quando o exército Iraquiano usava bombas em Migs,Shukois e Mirages...
Quanto ao Liberalismo ou Neo não entende nada.
Se é liberalismo não poder escolher a escola dos filhos ou não poder escolher onde colocar o dinheiro da reforma....é um liberalismo muito estranho.
Lucklucky
Alfredo Barroso é melhor que Camilo.
Bang Bang
Na mesma linha de reflexão em torno do tema «Para onde diabo caminha "este" PS?», é absolutamente a não perder a entrevista da António Arnaut à «Visão», online em:
http://visao.clix.pt/default.asp?CpContentId=334030
Parabéns a Alfredo Barroso pelo post. E, já agora, a Rosário M. pelo comentário.
Mas vá lá compreender esta POLITICA que nos querem impingir.
Basta reparar nos sorrisos amarelos e na coligações mais á esquerda de alguém que tudo faz para não se olhar ao espelho e reparamos na porcaria que o WC continua mandando no caneiro para o Oceano.
Não direi que o PSD tem pujança alguma para travar o que quer que seja e não se vê o pequenino fazer algo que consiga travar este desatino neste PORTUGAL.
Aliás , os politicos continuam na sua de encher a bolsa , basta reparar os milhões que os Partidos vão receber para reparar o interesse em que os Partidos POLITICOS querem meter o dedo senão a mão claro, MILHÕES de euros.
Lamentável mesmo o interesse de alguém que fez gastar MILHÕES numa obra a mais em Lisboa para se agarrar agora ao veio do OURO.
Não existe água suficiente em Lisboa para lavar a face aos Politicos sem vergonha.
Lamentável.
touaqui42
Nunca pensei dizer isto mas, em abono da verdade sou obrigado a fazê-lo. "Foi a melhor coisa que li nestes últimos dois anos". Vindo de quem vem, faz-me crer que algo vai mudar. Esta crónica foi um lufada de ar fresco, uma liberdade há muito desejada nesta blogosfera repleta de odes à acção governativa. Com este texto, caro Dr. Alfredo Barroso, fez renascer em nós a esperança que não vamos ter um novo Oliveira Salazar. Ainda há gente que não arrumou as "armas" com que lutou pela liberdade e está pronta a fazer ver aos cegos da "causa nossa" que este não é o caminho que desejamos para a nossa Democracia. Bem haja, caro Doutor, que a caneta, isto é, os dedos não se cansem de pressionar as teclas do computador.
Voltei só para dizer que não resisti à tentação de copiar o post para o blog http://darealpraxis.blogspot.com/, claro, com a indicação da origem e do seu autor.
"Fui varrido há meses.."
Triste e inaceitavel.
Por quanto tempo mais é que vamos assistir a toda esta panoplia, desculpem a expressão, nojenta?
Espero que não seja por muito mais tempo e como vejo na blogosfera todos querem que a "macacada" acabe.
Nós podemos fazer com que acabe, é preciso é vontade.
(...) "política e sindicalmente incapazes de se organizarem".
Sim, mas já foram capazes. Agora não, porquê? O que aconteceu às comissões de trabalhadores nas grandes empresas públicas, agora parcialmente privatizadas? Qual foi o partido que, durante anos, se estabeleceu nessas empresas, colocou os seus quadros e "meteu no bolso" e esvaziou de conteúdo as comissões de trabalhadores e os sindicatos?
Não adianta chorar sobre leite derramado, mas fazer um pouquinho de introspecção neste domínio ajuda a perceber muito do que se passa hoje.
Jorge Oliveira
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