SEXO EM DEMOCRACIA (2)
Por João Miranda
EM 1911, o líder republicano Afonso Costa terá profetizado que o catolicismo estaria extinto em Portugal em duas ou três gerações. Há quem defenda que esta profecia não passa de um mito inventado pelos inimigos de Afonso Costa, mas o certo é que ela expressa bem a fé que os republicanos depositavam no triunfo do ateísmo. Quase cem anos depois o catolicismo ainda cá está, enfraquecido, é certo, mas com influência social e política. Os republicanos sobrestimaram o valor das próprias ideias, mas, principalmente, subestimaram uma das principais vantagens competitivas do catolicismo: a capacidade de gerar mais católicos por reprodução sexual. O catolicismo é uma máquina de produção de novos católicos, não apenas pela evangelização, mas, sobretudo, por se opor aos anticoncepcionais, ao sexo antes do casamento e a outros comportamentos hedonistas.
Os republicanos terão acreditado que a força da Razão levada ao povo através da educação acabaria por mostrar às novas gerações que o catolicismo não passa de uma superstição. Durante a transição de uma sociedade rural pobre para uma sociedade urbana rica, os portugueses das novas gerações foram abandonando o catolicismo dos seus pais, mas o número de conversões ao ateísmo não foi suficiente para anular a taxa a que os católicos se reproduziam. A conjectura atribuída a Afonso Costa cumpriu-se apenas de forma parcial. É certo que os republicanos perderam o controlo da educação pública durante o Estado Novo, mas isso não explica tudo. Aquilo que torna o ateísmo republicano atractivo, uma vida hedonista sem obrigações perante um deus, é também aquilo que lhe limita as possibilidades de reprodução do ateísmo. Os hedonistas ateus não se sentem na obrigação de se reproduzir. Por serem hedonistas, são pelo sexo sem as responsabilidades da reprodução. E por isso tenderão a ter taxas de natalidade mais baixas. Os católicos têm a obrigação, imposta pelo deus em que acreditam, de ligar a respectiva vida sexual à reprodução. E por isso, mesmo que nem todos sigam à risca os ditames da sua fé, existirão sempre católicos com taxas de natalidade elevadas.
Não por acaso, em Portugal, a luta política entre activistas ateus e activistas católicos é uma luta pelo controlo da reprodução. Os activistas ateus tendem a ser pelo aborto livre, os activistas católicos contra. Os activistas ateus tendem a ser pela educação sexual nas escolas públicas, os activistas católicos preferem a educação sexual no meio familiar. Os activistas ateus esforçam-se por publicitar o preservativo, os activistas católicos por ocultar a sua existência. É como se cada activista político tivesse percebido que o sucesso das suas ideias será determinado por factores demográficos.
3 Comments:
Os estados não conseguem acabar com as religiões porque estas ajudam a resolver um problema universal que não está ao alcance de nenhum estado: O medo da morte.
Ao garantirem aos seus seguidores que estão em condições de lhes proporcionar uma vida eterna, as religiões fazem a promessa que o Ser Humano mais quer ouvir.
Depois, basta pensar que «Cremos no que queremos».
Além do mais, uma Fé (por definição) não é um assunto de discussão, pelo que facilmente resiste a toda e qualquer argumentação - por mais lógica que possa ser.
Julgo que foi Pascal quem exprimiu a Fé em termos matemáticos.
Dizia ele qualquer coisa como:
«É baixíssima a probabilidade de a religião X ser verdadeira . No entanto, ela oferece-me um ganho infinito (que é a vida e a felicidade eternas).
Como o produto de ambas as variáveis (a que se chama "esperança matemática") dá INFINITO, vale a pena apostar nessa religião e segui-la».
O curioso é que esse raciocínio é válido para qualquer religião que nos ofereça o mesmo.
Trata-se, pois, de escolher aquela que nos exija menos em troca (orações, jejuns, sacrifícios, peregrinações, etc.).
No seu blogue «Blasfémias», o autor deste "post" publica, com frequência, textos que não chegaram a ser publicados no «DN» por falta de espaço. No que toca a este assunto, podemos ler:
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«No último debate do Estado da Nação José Sócrates defendeu um conjunto de incentivos à natalidade, o que por si só é um reconhecimento do miserável estado em que se encontra a Nação. A Nação não pode ou não se quer reproduzir, e isso só pode ser um indicador de que ou não dispõe de meios para se reproduzir ou que não há nada suficientemente valioso para ser reproduzido. As reacções às medidas de Sócrates sugerem que se trata de um problema de meios e não de auto-estima. A maior parte dos comentadores considerou que os meios disponibilizados por Sócrates para a reprodução da Nação são insuficientes. A Nação, afinal, considera-se digna de se reproduzir, não tem é os meios para o fazer».
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