15.9.07

REGRESSO ÀS AULAS

Por Carlos Fiolhais

O REGRESSO ÀS AULAS começou com a cerimónia da bênção do Centro Escolar de S. Martinho de Mouros, em Resende. Na foto do “Público” de 12 de Setembro o primeiro-ministro e a ministra da educação acolitavam um sacerdote. Não sabemos se algum deles ou todos rezavam pelo sucesso do novo ano escolar, mas não há dúvida que o primeiro-ministro mostra uma grande fé nas mudanças de que fala.
Deixo de lado a discussão sobre a bênção das escolas públicas quando há liberdade religiosa e há separação entre o estado e as igrejas. Prefiro falar da situação do nosso ensino. José Sócrates tinha-se gabado, no dia anterior à bênção, de o seu governo precisar de menos dinheiro e de menos professores para obter o mesmo insucesso que os anteriores: “Há dez anos havia o dobro do dinheiro, mais professores e menos alunos, o mesmo resultado, o mesmo insucesso escolar, o mesmo abandono escolar”. Louvou o insucesso mais barato, esquecendo-se que fez parte, de 1995 a 2002, de governos com a “paixão” pela educação (terá sido essa paixão a responsável pelo desperdício de recursos?) e esquecendo-se que o insucesso sai sempre caro. Logo a seguir, entrou em contradição ao afirmar que, nos últimos dois anos, os resultados escolares tinham melhorado. Os ingleses chamam a isso “wishful thinking”, confusão dos desejos com a realidade. São conhecidas algumas virtudes do pensamento positivo, mas na educação não é como em “O Segredo”, de Rhonda Byrne, em que se acredita, se deseja e se obtém. Talvez fosse mais sábio olhar com atenção para os resultados de exames que sejam comparáveis (infelizmente, muitos não são) e talvez fosse mais prudente esperar alguns anos (porque em educação as mudanças levam o seu tempo a produzir efeitos).
“Recupere a ilusão”, dizia um cartaz político que vi em Espanha durante as férias. Muitos políticos, noutros sítios como aqui, gostam de semear ilusões. Mas a realidade é a maior inimiga da ilusão. Em Julho, dias depois de o Ministério da Educação ter anunciado a melhoria das notas de exames de Matemática no 12º ano, eram divulgados os resultados catastróficos – dois em cada três alunos foram reprovados – no exame de Matemática do 9º ano, precisamente no nível de ensino para o qual o governo tinha um plano especial. Era preciso fazer mais alguma coisa. E, pasme-se, o que a ministra fez foi pedir aos autores do anterior currículo, especialistas na experimentação pedagógica e na desvalorização do saber, para o reformular. Não seria mais sensato pedir a outras pessoas? Não estaremos a ser iludidos?
Noutras disciplinas estamos tão mal como em Matemática. A Física e a Química são agora residuais no nosso ensino secundário, quando deviam ser obrigatórias para uma formação científica sólida. Os respectivos exames no final do secundário têm aparecido com erros e só não há erros no exame de Ciências Físico-Químicas do 9º ano porque os exames não aparecem...
O primeiro-ministro é com certeza uma pessoa bem intencionada que deseja a melhoria dos resultados, tal como a ministra da educação e como todos nós. Mas o governo tem mostrado, pelas palavras e pela prática, uma enorme ilusão a respeito do modo de lá chegar. Não é com exames mais fáceis ou sem exames. Nem com currículos pejados de “eduquês”. E muito menos com quadros interactivos. É com o apoio aos professores e com o apoio dos professores. O maior erro do Ministério da Educação foi ter hostilizado os professores, que são a pedra angular de qualquer sistema educativo. O governo, na sua justa luta contra sindicatos jurássicos, confundiu os sindicatos com os professores. E, tendo reparado que havia mais pais do que professores, quis pôr os pais contra estes.
Os nossos professores – agora há muito menos, para poupar – têm feito o seu trabalho em condições adversas. E, nos últimos dois anos, têm ainda de arrostar com a desconfiança de quem os tutela. No regresso às aulas, o governo devia ter incentivado os professores e, claro, os alunos. Mas falou sobre poupanças. Podia também ter poupado nas palavras.
«Público» de 14 de Setembro de 2007-[PH]

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bom texto, chamando «os bois pelos nomes», acutilante e certeiro.
Há uma semana pareceu-me CF «lambe botas». Retiro o que disse.

15 de setembro de 2007 às 18:29  

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