19.11.07

O CASO (FALSO) DO POLÍCIA A QUEM NINGUÉM LIGA NENHUMA

Por Ferreira Fernandes
PERGUNTOU O EXPRESSO, ontem, a Alípio Ribeiro: "Não tem um telefone seguro?" Resposta dele: "Não tenho medo de ser escutado. Ninguém quer ouvir as conversas do director da PJ." Olha, agora, ninguém é uma multidão! Seguem-se alguns desses ninguéns que gostariam muito de ouvir os telefonemas do director da PJ.
A Máfia e a Al-Qaeda, os contrabandistas de tabaco e o tipo que fazia contacto com o barbeiro terrorista do Porto. A grande criminalidade internacional gostaria de saber com quem fala e do que fala o interlocutor da Interpol em Portugal.
Os patrões das grandes empresas da construção civil. Esta semana foram acusados pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de cometerem fraudes. Sendo a acusação por atacado, nem um só grande patrão quer saber de quem a PJ suspeita?
E Paulo Portas? Não estará curioso sobre se uma palavrinha - fotocópias - foi ou não muito dita nos telefonemas do mais importante gabinete da Gomes Freire?
E, já agora, eu próprio. Sou jornalista e tudo que é estranho não me é estranho. Eu gostaria muito de ouvir os telefonemas de Alípio Ribeiro. Sobretudo se provassem que ele tinha razão. Que só telefonava para encomendar pizas. Eu faria uma reportagem com antetítulo: "Desleixo com dinheiros públicos." E título: "Dão-lhe telefone para trabalhar e nada..." O texto seria ilustrado pela lista dos 45 telefonemas feitos, ontem.
Cinco para a mulher a anunciar que chegava a horas (dois para o almoço, três para o jantar - quem não teme escutas é caseiro). Um para o inspector Ficalho, de parabéns pelos anos, e outro para a subinspectora Margarida, pelo aniversário de casamento. Dois telefonemas para as tais pizas (a meio da tarde). Sete para o secretário de Estado do Desporto, a saber se havia um bilhetinho para o jogo com a Arménia. Oito para ex-colegas da Faculdade de Direito a combinar o jantar de curso. Cinco para informações diversas (a que horas chega o último Intercidades a Santa Apolónia - neste gastou três telefonemas, por a linha ter caído -, o tempo para o fim-de-semana e os números do Euromilhões) e, finalmente, 16 telefonemas avulsos para amigos com conversa barata. Género: "Beto, sou eu, o Alípio. Ainda tens o contacto daquele mecânico da Mercedes?"
Saída a minha reportagem, telefonava-me o dr. Alípio Ribeiro, em tom trocista: "Você só confirmou que o meu telefone todos podem escutar..." Homem de muita fé! Mal ele sabia que, graças ao meu trabalho de investigação, o parlamento o chamaria para prestar declarações. É que aqueles telefonemas todos ao secretário de Estado dos Desportos podiam configurar um crime de tráfico de influências...
É o que eu queria provar: todos nós temos os nossos segredozinhos. Inocentes, talvez, mas o melhor, mesmo, é não caírem nos ouvidos do mundo.
«DN» de 18 de Novembro de 2007-c.a.a.

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