16.11.07

Como habitualmente sucede aos fins-de-semana, aqui fica um post-aberto para quem o quiser utilizar.

Por mim, estarei em Lagos, a ver o mar...

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Obrigadinho.

17 de novembro de 2007 às 12:15  
Blogger Pedro Tomás said...

Uma noite para lembrar

Ele ligou o pisca para a direita, reduziu a velocidade e saiu da estrada, entrando no caminho estreito de terra batida, ladeado por densos arbustos de ambos os lados. Avançou mais quarenta metros, mesmo até ao limite da falésia, e travou suavemente. Desligou o carro e olharam ambos para o cenário que se lhes deparava. A lua, no horizonte, reflectia-se suavemente no mar que ondulava calmamente. Deixaram-se invadir por aquela sensação de calma e apreciaram o momento, em silêncio.

Iam para aquele local habitualmente, aos Sábados à noite. Não era um local conhecido, por isso sabiam que não havia mirones nem outros parzinhos de namorados naquele ponto isolado da costa.

Tiraram os cintos de segurança e aproximaram-se um do outro. Os seus braços envolveram-na. Ela sentiu o conforto e o calor do seu corpo e deixou-se envolver na atmosfera. Beijaram-se apaixonadamente. O rádio tocava a sua música favorita, o que só tornava o momento ainda mais perfeito.

Beijaram-se mais uma vez. E mais outra. As mãos dela no queixo dele, uma de cada lado, sentiam os curtos pêlos da sua barba. Ele pegou nas suas mãos e adivinhando-lhe o gosto por aquela sensação, roçou a sua sua cara na dela. Ela adorou, um arrepio percorreu-lhe as costas de alto a baixo.

Lá fora uma suave brisa soprava sobre os arbustos cerrados. Interromperam aquele momento por breves segundos para apreciar a música e a paisagem.

Quando ele olhou para o lado, mandou um salto no banco. Ela olhou para ele, espantada. Ele estava aterrorizado, e olhava fixamente para o exterior. Do lado de fora do carro, a um metro dele, um homem, completamente vestido de preto, empunhava uma arma de forma ameaçadora. Ela olhou para o vidro da sua janela e tentou gritar, mas não saiu nenhum som. Do seu lado o cenário era o mesmo. Outro homem, ligeiramente mais baixo que o primeiro, empunhava também uma arma.

Ele pensou rapidamente em rodar a chave, que se encontrava na ignição e sair em marcha-a-trás, mas mudou imediatamente de ideias, porque isso poderia agravar a situação. Iam ser, seguramente, vítimas de car-jacking, no mínimo. Poderiam também assaltá-los, sequestrá-los enquanto pudessem ir levantando dinheiro com os seus cartões Multibanco. Pior. Podiam, inclusivé, abusar dela, sem que ele pudesse fazer nada. Vários pensamentos rodopiaram pela cabeça. Ela, por sua vez, estava imóvel, à espera da reacção dele ou que os ameaçadores homens tomassem a iniciativa.

Ele pensou em reagir. Tinha, no compartimento de plástico do interior da sua porta, um daqueles instrumentos que servem para partir os vidros em caso de acidente. Pegou nele com a mão esquerda, num movimento calmo e sem mexer visivelmente o braço. A sua acção iria surpreendê-los, quando abrissem a porta e ele lhe batesse, com toda a força que tinha, com aquele instrumento na cabeça. Isso dar-lhe-ia tempo para ligar o carro e fugir dali o mais rapidamente possível.

O que se seguiu surpreendeu-os: do lado dele, o homem bateu no vidro com dois dedos, empunhando a arma. Como ele não reagiu, bateu novamente e fez-lhe um movimento circular com a mão, como que a dizer para ele abrir o vidro. Ele rodou a manivela, calmamente e com todo o cuidado, sem largar o instrumento que o salvaria daquela constrangedora situação. O homem aproximou a cabeça do vidro e ele preparou-se para o atingir, mas deteve-se quando o ouviu sussurar:

- Boa noite. Polícia Judiciária, Brigada de Narcóticos. Eu compreendo que venham para aqui para terem algum sossego e privacidade. Mas os senhores estão a interferir com uma apreensão de droga que andamos a preparar há meses. Importam-se, por isso, de ir namorar para outro lado?

17 de novembro de 2007 às 15:45  
Blogger Pedro Tomás said...

Pessoas

Este texto é longo, mas acredite que vale bem a pena lê-lo com atenção do princípio ao fim. Ao longo da vida conheci, tal como o leitor, inúmeras pessoas. Muitos amigos, caras e sorrisos. Pessoas com algo de especial, porque todos somos, em certo sentido, especiais.

Conheci o Edgar na escola. Era aquilo a que se podia chamar um conhecido. Era um rapaz de boas famílias, um pouco rebelde e ligeiramente problemático. Talvez a sua rebeldia fosse um misto de inconformismo e uma maneira de desafiar os pais. De se impôr no seu grupo de amigos. Nunca o conheci o suficiente para saber ao certo o porquê dessa sua faceta.

O José foi, no início da minha adolescência, aquilo a que se pode chamar um amigo do peito. Era muito sociável, um belo rapaz, alvo da cobiça das raparigas e, por isso, da inveja dos rapazes. Era um excelente amigo. Foi, em última análise, por influência dele que escolhi estudar e seguir a carreira profissional que hoje tenho. Devo-lhe isso.

O Francisco e a Ana têm um filho adorável. É o Miguel. É lindo e sorridente. Mas desde os 4 anos que não consegue sociabilizar-se. Já perceberão porquê. Mais adiante.

Depois há também o Carlos, sempre com aquela jovialidade que o caracteriza. Grande amigo do meu pai e da família. Iam sempre à pesca juntos. A mulher é muito simpática. Têm um filho pouco mais velho que eu.

O Wesley é o que se pode chamar um outsider. Ele sempre se tentou encaixar no grupo, mas nunca conseguiu. Os pais foram, talvez, demasiado rígidos, e por isso talvez ele tenha pouca confiança em si próprio, mas quem o conhecer verdadeiramente sabe que ele é um excelente miúdo.

A Mariana era uma criança muito feliz, filha de um amigo meu. Ele é uma boa pessoa, genuína e preocupada. A vida não lhe tem sido simpática. Mantemos contacto de tempos a tempos, por isso só vim a saber mais tarde do que acontecera.

O Sérgio andou comigo na Escola Primária. Eu e ele tínhamos uma paixoneta infantil por uma colega de escola. Éramos, por isso, rivais. Mas, tirando os amores e as desilusões amorosas, eu o Sérgio dávamo-nos lindamente. Só ouvi falar do Sérgio novamente há pouco tempo, pelos jornais.

Finalmente havia também o Luís, um míudo amoroso, louro, de olhos azuis, primo de um grande amigo de infância que ainda hoje me telefona todos anos no meu aniversário. A última vez que vi o Luís tinha ele oito anos. Cruzei-me com a mãe dele há cerca de um ano, depois de mais de dez anos sem a ver.

Mas porque estou a consumir a vossa paciência com as histórias chatas destas pessoas? O que têm todas estas pessoas em comum? Satisfaço-vos, finalmente, a curiosidade. O fio condutor entre todas estas pessoas é somente um: a tragédia. Voltemos atrás para perceberem.

O Edgar desapareceu durante a noite, por vários dias. O carro do pai, um potente BMW, também desapareceu. Chegou-se a pensar que era assunto de droga. Na escola não se falava de outra coisa. Mas não. Finalmente lá apareceu e deslindou-se o mistério. Tinha “pedido o carro emprestado” ao pai. Encontraram-no ao fim de quatro dias, dentro do carro do pai, no fundo do rio, sem vida. Pensa-se que foi um despiste numa noite chuvosa, provavelmente por velocidade excessiva.

O meu grande amigo José comprou uma potente moto quando fez dezoito anos. Gozou-a durante pouco tempo. Um idoso fez uma inversão de marcha em cima de um duplo traço contínuo. Ele, em excesso de velocidade, não teve qualquer hipótese de reagir. Múltiplas fracturas na coluna. Morte imediata. Custa-me quando encontro o pai dele na rua, tal como aconteceu a semana passada.

O Miguel, filho do Francisco e da Ana, foi atropelado com bastante violência aos quatro anos. Apesar da terapia intensa, durante quase um ano, no Centro de Alcoitão, nunca recuperou. Ficou com lesões cerebrais muito profundas. Hoje, adolescente, é totalmente dependente dos pais mesmo para as suas funções mais básicas.

O Carlos teve um acidente de viação com a mulher. Ela partiu um braço, o maxilar, os ossos da face e vários dentes. Ele ficou sem uma perna, esmagada entre o tablier e a banco. Quando o fui ver ao hospital ele sentia dores do joelho para baixo, apesar de a perna ter sido sido amputada acima do joelho. São as chamadas dores fantasma, porque o cérebro “acha“ que o membro ainda existe na sua totalidade.

O Wesley ia no banco de trás, na A1, quando o carro que ultrapassavam mudou de faixa. A viatura rodopiou e ele foi projectado pelo vidro de trás, caindo a mais de cinquenta metros do acidente. Esteve em coma três semanas. Chegou a temer-se o pior, mas comparando com esse dramático cenário, sobreviveu com "pequenos problemas": lesões cerebrais, epilepsia para toda a vida, uma perna e os dois braços partidos em vários locais, os ossos da face quebrados. Depois de várias cirurgias de reconstrução ao maxilar inferior e anos de recuperação, leva hoje aquilo a que se pode chamar uma vida normal.

A Mariana estava com a avó e saiu do quintal sem ninguém reparar, quando um carro em excesso de velocidade lhe tirou a vida. Eu só soube passada uma semana. Não pude, por isso, ir ao funeral, em solidariedade com o meu amigo. Algo que me custa lembrar cada vez que falo com ele.

A razão pela qual li sobre o Sérgio no jornal também é simples: atropelou uma criança que atravessava uma passadeira. O julgamento começou há duas semanas. A sua vida está arruinada, independentemente do resultado do julgamento. A da criança não porque, infelizmente, deixou de existir. No local do acidente há todos os dias um ramo de flores frescas, colocado pelos familiares da vítima, apesar de o acidente ter acontecido há mais de um ano.

E finalmente o Luís. O Luís foi vítima, com mais algumas crianças, de um estúpido acidente com uma carrinha que os transportava para um jogo de futebol. Ele gostava de futebol. Morreram três crianças nesse acidente, o Luís foi uma delas. No ano seguinte, no Dia de Todos os Santos, encontrei a mãe dele no cemitério, ajoelhada aos pés da campa, chorando compulsivamente. O meu olhar cruzou-se com o dela mas fiquei ali, sem fazer nem dizer nada. Não havia nada que pudesse fazer ou dizer. Vim-me embora, a chorar também.

Gostava que este texto fosse muitíssimo mais curto. Mas podia ser ainda mais longo, porque conheço mais histórias destas. Nem o devia ter escrito, sequer. Seria bom sinal. No entanto, apesar de poder parecer um exercício mórbido, não é desprovido de sentido.

No dia 18 de Novembro assinala-se o Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada. Nestes dias fala-se de números, comparam-se dados com anos anteriores, apresentam-se estatísticas. As autoridades fazem discursos engalanados.

Os nomes que apresentei são fictícios, mas todos os casos aqui referidos são bem verdadeiros e foram por mim sentidos de perto. Demasiado perto.

Obrigado por ter tido a paciência de ler este texto. Foi extenso apenas porque quis mostrar-lhe que atrás de cada vítima há um rosto, facetas que cada pessoa tem. Pessoas como nós, com histórias que merecem ser contadas.

Por isso, lembremo-nos de algo de primordial importância: quando se fala de vítimas da estrada não é de números que se fala. Nem de estatísticas. Quando se fala de vítimas da estrada fala-se, isso sim, de pessoas.


Clique aqui para visitar o site da ACA-m – Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados e aqui para descarregar o vídeo que assinala o dia.

18 de novembro de 2007 às 00:26  

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