A Quadratura do Circo
Pesadelo
Por Pedro Barroso
RESOLVI. Eu quero ser taxista na Suiça, bancário em Mogadouro, presidente das estradas, hospitais, qualquer coisinha.
Eu explico.
Eu explico.
Um estranho sonho anda a assaltar-me, recorrente e infantil. Um sonho em que tenho fome, levanto-me para comer, vou à cozinha, abro o frigorífico e nada se apresenta nas magras e desoladas prateleiras.
Sim, eu sei. A luz fluorescente não ajuda nada a uma imagem de felicidade e aquele pedaço de queijo duro e podre é de há dois meses. Tenho de me lembrar de o deitar fora. Sou um pouco desorganizado, paciência.
Volto para a cama desiludido e faminto, e adormeço sonhando que um dia era tesoureiro na freguesia de Almoster de Cima e uns anos depois, meteoricamente, sou ministro e nada me falta.
Mas quando leio as reformas faraónicas dos Teixeira Pintos e outros, fico a perceber que o engenheiro não é mais, afinal, que um aprendiz mal pago e obediente. Talvez por isso tão maldisposto.
Volto para a cama desiludido e faminto, e adormeço sonhando que um dia era tesoureiro na freguesia de Almoster de Cima e uns anos depois, meteoricamente, sou ministro e nada me falta.
Mas quando leio as reformas faraónicas dos Teixeira Pintos e outros, fico a perceber que o engenheiro não é mais, afinal, que um aprendiz mal pago e obediente. Talvez por isso tão maldisposto.
Compreendo. O verdadeiro bolo-rei é doutra pastelaria.
A coisa comigo também acaba sempre mal, pois acordo do sonho e anda a vida no mesmo pesadelo de ontem, nada melhorou. Aí, vou à tasquinha mais perto e peço um prego, mais um, para cravar a vida de ideias.
E sonho acordado, que é o modo mais difícil de sonhar.
E sonho acordado, que é o modo mais difícil de sonhar.
Entretanto lembro as reformazitas parcelares acumuladas que também não são más de todo. O país é magnânimo e cavalheiresco.
Então percebo.
O verdadeiro político, ando a aprender, não se mete na política. Mergulha as mãos no q.b. de substância sórdida e matérias inertes, cuida da vida pública apenas o suficiente para poder vir um dia a decorar com dignidade um bom Conselho de Administração. E aspira, no fundo, a uma discreta quebra de visibilidade que lhe dê passagem secreta a um mundo, esse sim, de álacres e prestigiadas funções, almoços sem povo e super-alegres remunerações. Poder a sério é isso.
Torna-se, portanto, no Director convidado do projecto de implementação de Segurança nas barragens; o engenheiro encarregado da Comissão interdisciplinar de averiguação e combate ao buraco de ozono; o gestor do projecto Euclides para a integração do ensino da Matemática nas creches; o Inspector designado para o combate à dermatite piolhosa na região norte e ao vírus da peste suína na região sul; o Presidente da Autoridade nacional de crimes contra o ambiente nos WC públicos; Director do Parque Nacional protector da lagartixa ibérica, etc.
Trabalhos duros, emergentes e urgentes. Cumpridos de uma forma vagamente distante e tranquila. Bem remunerados. Acumulando com o cargo de Administrador de uma qualquer entidade bancária e o de consultor em duas empresas multinacionais de helicicultura.
É natural. São pessoas de influência e boas maneiras.
Há que retribuir serviços tão elevados.
É natural. São pessoas de influência e boas maneiras.
Há que retribuir serviços tão elevados.
E o meu pesadelo regressa.
Fizemos há trinta e tal anos uma Revolução por menos que isto.
Acordo e digo que não. Adormeço e reconfirmo.
E vejo de novo o frigorífico. Onde raio fui eu buscar o raio do frigidaire? Tenho de voltar a estudar Freud para compreender melhor. Será por estar vazio e ter o pedaço de queijo atrasado e podre?
Não sei interpretar.
Tenho de perguntar ao caixa de Mogadouro.
Não há pesadelos que o aflijam, nem cargos que o assustem, nem amigos que o abandonem.
Ele deve saber como se faz.
Acordo e digo que não. Adormeço e reconfirmo.
E vejo de novo o frigorífico. Onde raio fui eu buscar o raio do frigidaire? Tenho de voltar a estudar Freud para compreender melhor. Será por estar vazio e ter o pedaço de queijo atrasado e podre?
Não sei interpretar.
Tenho de perguntar ao caixa de Mogadouro.
Não há pesadelos que o aflijam, nem cargos que o assustem, nem amigos que o abandonem.
Ele deve saber como se faz.
Etiquetas: PB
3 Comments:
Caro amigo,
Cante amanhã (e nos amanhãs todos que se lhe seguirem) tal como aqui escreveu. Cante, sempre acreditando que amanhã o mundo será melhor, como acreditava no tempo dessa revolução que diz, e a mudança virá - porque a mudança não nos é exterior, está dentro de nós.
Um abraço.
Tem toda a razão...
A vida de sonho de uns poucos redunda no pesadelo de todos nós.
Termos de acordar todos os dias, para o lufa-lufa dos dias repetidos, na luta por uma vida decente.
Recordo uma frase que li no Corrier Internacional (nº 91- 2006, p.44), do escritor Yasmina Kadra e que se aplica:
"Os que deviam proteger os povos, orientá-los, propor-lhes um projecto de sociedade, têm mais o que fazer. Em vez de construirem nações, constroem fortunas pessoais e palácios para reis ociosos."
Assim vai a glória do mundo. É o salve-se quem puder. O outro?!!! Que se desenrasque...
Como alguém dizia “eles não sabem que o sonho é que nos trama a vida”. Está bem, nós sabemos, pouco mais ou menos, que o poeta não era assim que escrevia mas, não somos tão dotados como ele e, devido a esse facto, temos o direito e o dever de adaptar o sonho às agruras da nossa vida. O problema aqui apresentado, como é bom de ver, é que o Pedro Barroso anda a sonhar alto demais, isto é, como se dizia antigamente na tropa, “pôs-se a sonhar sem ter o barrete bem enterrado na cabeça”. A falta de pala, tão necessária nestas ocasiões, levou a que os seus olhos vissem, sem compreender, talvez, o resultado típico do programa das Novas Oportunidades…
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