7.2.08

«O nacional-porreirismo» - Passatempo com prémio

História 1 - Um amigo meu passa a vida a queixar-se da incompetência de um determinado funcionário dos CTT que, devido aos erros sucessivos que comete na entrega da correspondência, lhe faz a vida negra. Naturalmente, sempre que me conta novos episódios desses, eu pergunto-lhe de que é que está à espera para reclamar, mas a resposta que me dá é sempre a mesma: «É chato, pois ele é um gajo porreiro e não o quero prejudicar». E, por mais que eu lhe diga que tem de separar uma coisa da outra (o porreirismo não pode dar cobertura ao mau serviço), ele não aceita a ideia, preferindo passar boa parte do seu tempo em busca de cartas que vão parar aonde não deviam.
História 2 - Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, José Sócrates não afasta certos ministros (como o das Obras Públicas, o do Ambiente e o da Economia - que são os casos mais notórios) porque é amigo deles.
História 3 - Segundo os jornais, o Ministro da Justiça não afasta o Director da PJ (na sequência das declarações que fez a propósito do caso Maddie) porque são amigos.
Comentário:
Embora, em todos os casos referidos, o porreirismo e o amiguismo estejam, muito provavelmente, a ser colocados à frente da competência, as consequências não têm comparação:
No primeiro caso, o funcionário dos Correios apenas prejudica umas dúzias de pessoas - que, se se queixarem, até poderão resolver o problema.
Nos outros (e imagina-se quantos mais!), são os portugueses todos que são forçados a pagar o preço das amizades de Fulano com Cicrano - quer em termos das consequências dos actos que praticam, quer, como contribuintes, no que toca ao que lhes pagam.
-oOo-
O livro cuja capa aqui se vê (da autoria de Paulo Querido, oferta da editora C.A.T.I.) será enviado ao leitor que, até às 20h do próximo sábado, fizer o melhor comentário acerca destes casos concretos ou, então, do tema mais geral «O nacional-porreirismo numa terra em que todos são primos ou primas».
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Actualização: o prémio, que foi atribuído a Blondewithaphd, já foi enviado.

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5 Comments:

Blogger diogo said...

o nacional porreirismo não é evitar prejudicar os outros . é ter medo das retaliações . devia-se chamar nacional cobardismo

7 de fevereiro de 2008 às 19:24  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Diogo,

Pelo menos no caso do gajo dos CTT, acho que tem razão.
Muito provavelmente, o homem não faz queixa do funcionário com medo de vir a ter problemas com ele.

7 de fevereiro de 2008 às 19:36  
Blogger Blondewithaphd said...

É, com efeito, uma das coisas que me afligem neste país que as pessoas não saibam separar as diversas esferas da vida humana. Ser amigo de alguém é meio caminho andado para a castração individual. A partir do momento em que se é amigo perde-se um pouco do livre-arbítrio: não se tocam assuntos tabu, não se empreende a divergência opininativa porque fere susceptibilidades, não se faz nada que remotamente possa incorrer na ira do amigo.
E quando a amizade se esparaia ao plano profissional, então aí é o inferno. É isto que não entendo nos portugueses, talvez por ter sido educada num ethos nórdico. Mas que me sinto envolta em peias desta natureza no dia-a-adia é uma verdade. Ao fim destes anos todos ainda me incomoda a falta de discernimento e separar de terreiros e águas com que os portugueses gerem a sua vida social no que toca a administração das suas amizades.

8 de fevereiro de 2008 às 12:58  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Blondewithaphd,

Tenho a impressão que essas limitações fazem parte da natureza humana.

Orwell referia esse problema no que toca ao exercício do jornalismo:

Se o jornalista se aproxima demasidado deste ou daquele, acaba por se ver limitado quando chega a altura de, publicamente, o atacar (ou apenas criticar).
Pode escrever qualquer coisa, claro, mas nunca o faz da mesma forma quando se trata de alguém "próximo" ou outrem que nunca contactou.

8 de fevereiro de 2008 às 14:50  
Blogger Blondewithaphd said...

Sim, claro, ser português é, por inerência, ser humano. Contudo, em Portugal noto que o ser "porreiro" para os amigos presume, muitas vezes, uma série de auto-flagelações. Não advogo a frieza protestante e setentrional, mas que nos faz falta uma certa lucidez lá isso faz.
Quanto ao jornalismo tingido pelo contacto com o sujeito noticioso, pois... isso levar-nos-ia ao debate das formas (para)jornalísticas que não procuram a Verdade absoluta mas a verdade apreendida pela lente subjectiva do jornalista. Ademais, haverá algum jornalismo imparcial ao objectivo absoluto? Isso também é parte humana, não?

8 de fevereiro de 2008 às 22:44  

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