«O nacional-porreirismo» - Passatempo com prémio
História 1 - Um amigo meu passa a vida a queixar-se da incompetência de um determinado funcionário dos CTT que, devido aos erros sucessivos que comete na entrega da correspondência, lhe faz a vida negra. Naturalmente, sempre que me conta novos episódios desses, eu pergunto-lhe de que é que está à espera para reclamar, mas a resposta que me dá é sempre a mesma: «É chato, pois ele é um gajo porreiro e não o quero prejudicar». E, por mais que eu lhe diga que tem de separar uma coisa da outra (o porreirismo não pode dar cobertura ao mau serviço), ele não aceita a ideia, preferindo passar boa parte do seu tempo em busca de cartas que vão parar aonde não deviam.
História 2 - Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, José Sócrates não afasta certos ministros (como o das Obras Públicas, o do Ambiente e o da Economia - que são os casos mais notórios) porque é amigo deles.
História 3 - Segundo os jornais, o Ministro da Justiça não afasta o Director da PJ (na sequência das declarações que fez a propósito do caso Maddie) porque são amigos.
Comentário:
Embora, em todos os casos referidos, o porreirismo e o amiguismo estejam, muito provavelmente, a ser colocados à frente da competência, as consequências não têm comparação:
No primeiro caso, o funcionário dos Correios apenas prejudica umas dúzias de pessoas - que, se se queixarem, até poderão resolver o problema.
Nos outros (e imagina-se quantos mais!), são os portugueses todos que são forçados a pagar o preço das amizades de Fulano com Cicrano - quer em termos das consequências dos actos que praticam, quer, como contribuintes, no que toca ao que lhes pagam.
No primeiro caso, o funcionário dos Correios apenas prejudica umas dúzias de pessoas - que, se se queixarem, até poderão resolver o problema.
Nos outros (e imagina-se quantos mais!), são os portugueses todos que são forçados a pagar o preço das amizades de Fulano com Cicrano - quer em termos das consequências dos actos que praticam, quer, como contribuintes, no que toca ao que lhes pagam.
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O livro cuja capa aqui se vê (da autoria de Paulo Querido, oferta da editora C.A.T.I.) será enviado ao leitor que, até às 20h do próximo sábado, fizer o melhor comentário acerca destes casos concretos ou, então, do tema mais geral «O nacional-porreirismo numa terra em que todos são primos ou primas».
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Actualização: o prémio, que foi atribuído a Blondewithaphd, já foi enviado.
Etiquetas: CMR, Passatempos
5 Comments:
o nacional porreirismo não é evitar prejudicar os outros . é ter medo das retaliações . devia-se chamar nacional cobardismo
Diogo,
Pelo menos no caso do gajo dos CTT, acho que tem razão.
Muito provavelmente, o homem não faz queixa do funcionário com medo de vir a ter problemas com ele.
É, com efeito, uma das coisas que me afligem neste país que as pessoas não saibam separar as diversas esferas da vida humana. Ser amigo de alguém é meio caminho andado para a castração individual. A partir do momento em que se é amigo perde-se um pouco do livre-arbítrio: não se tocam assuntos tabu, não se empreende a divergência opininativa porque fere susceptibilidades, não se faz nada que remotamente possa incorrer na ira do amigo.
E quando a amizade se esparaia ao plano profissional, então aí é o inferno. É isto que não entendo nos portugueses, talvez por ter sido educada num ethos nórdico. Mas que me sinto envolta em peias desta natureza no dia-a-adia é uma verdade. Ao fim destes anos todos ainda me incomoda a falta de discernimento e separar de terreiros e águas com que os portugueses gerem a sua vida social no que toca a administração das suas amizades.
Blondewithaphd,
Tenho a impressão que essas limitações fazem parte da natureza humana.
Orwell referia esse problema no que toca ao exercício do jornalismo:
Se o jornalista se aproxima demasidado deste ou daquele, acaba por se ver limitado quando chega a altura de, publicamente, o atacar (ou apenas criticar).
Pode escrever qualquer coisa, claro, mas nunca o faz da mesma forma quando se trata de alguém "próximo" ou outrem que nunca contactou.
Sim, claro, ser português é, por inerência, ser humano. Contudo, em Portugal noto que o ser "porreiro" para os amigos presume, muitas vezes, uma série de auto-flagelações. Não advogo a frieza protestante e setentrional, mas que nos faz falta uma certa lucidez lá isso faz.
Quanto ao jornalismo tingido pelo contacto com o sujeito noticioso, pois... isso levar-nos-ia ao debate das formas (para)jornalísticas que não procuram a Verdade absoluta mas a verdade apreendida pela lente subjectiva do jornalista. Ademais, haverá algum jornalismo imparcial ao objectivo absoluto? Isso também é parte humana, não?
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