O que me faz velha
Por Alice Vieira
GOSTO DA PALAVRA “velho”. Lembra serenidade, lembra a sabedoria das tribos.
Nada daquele tom tecnocrático e asséptico da “terceira idade”.
Claro que gosto – desde que não se aplique a mim, está bem de ver.
Velhos são, para além dos trapos, os outros.
Nunca nós, evidentemente.
Nunca eu.
Eu, que me farto de trabalhar, que corro o país de cima abaixo, que ainda durmo menos que o Prof. Marcelo, que faço ginástica, que nem tenho carro e ando imenso a pé – como posso sentir-me velha? Os amigos e a família também acham que comigo nunca há problema, o namorado não se queixa. Logo, a velhice - segundo o lugar-comum mais comum que se inventou - é um estado de espírito. (Meu Deus, isto ainda é pior que a “terceira idade”!)
No entanto há duas coisas que me deitam completamente abaixo e me fazem sentir com cem anos em cada ombro: a primeira é quando os meus netos invariavelmente desenham as avós de carrapito, chinelos, bengala e uma corcunda que as faz curvadinhas até ao chão; a segunda é quando leio a lista dos premiados com os Grammy – e não faço a menor ideia de quem sejam.
É terrível.
Porque eu gosto muito de música, porque eu oiço muita música, porque eu não passo sem música, porque eu sou daquela geração que ainda compra CD´s e não faz downloads nem pirateia nada.
Durante muitos anos eu estive sempre a par do que se ia ouvindo. Sabia os nomes dos intérpretes, conhecia-lhes as vozes, trauteava as suas cantigas.
De repente, não conheço ninguém.
Olho aquela lista e todos me parecem ET’s de uma galáxia desconhecida (pronto, está bem, conheço o Springsteen, mas esse é um moço da minha criação, que nem entendo o que está a fazer ali).
Mas há uma Amy Winehouse, que se fartou de ganhar coisas, e um Kanye West que também levou para casa uma data de prémios, e de quem, até hoje, eu desconhecia completamente a existência. (E se ganharam tanta coisa é porque devem ser muito bons!) E mais um rol de nomes, que também devem ser excelentes, mas que me são completamente desconhecidos.
E a minha ignorância musical só não é totalmente vergonhosa porque a minha neta mais velha teve a caridade de me dar umas (brevíssimas) dicas sobre a arte de um tal Justin Timberlake, também premiado, e que ela, ao que parece, curte bué.
Mas o mais estranho é que isto só me acontece com a música. Nos Óscares, nos Globos de Oiro, nos Emmy’s - posso não ter visto tudo mas, caramba!, sei de que é que estão a falar. Com maior ou menor intimidade, conheço aquela gente.
Resumindo: devo andar a ouvir a música errada, a comprar os CD’s errados, a sintonizar as estações de rádio erradas.
Tenho rapidamente de me pôr em dia. Com algum esforço e muita aplicação, sou capaz de lá chegar. E pode ser que então os meus netos, nos seus desenhos, ao carrapito, aos chinelos, à bengala e à corcunda, tenham a gentileza de juntar um Ipod ou um MP3.
Nada daquele tom tecnocrático e asséptico da “terceira idade”.
Claro que gosto – desde que não se aplique a mim, está bem de ver.
Velhos são, para além dos trapos, os outros.
Nunca nós, evidentemente.
Nunca eu.
Eu, que me farto de trabalhar, que corro o país de cima abaixo, que ainda durmo menos que o Prof. Marcelo, que faço ginástica, que nem tenho carro e ando imenso a pé – como posso sentir-me velha? Os amigos e a família também acham que comigo nunca há problema, o namorado não se queixa. Logo, a velhice - segundo o lugar-comum mais comum que se inventou - é um estado de espírito. (Meu Deus, isto ainda é pior que a “terceira idade”!)
No entanto há duas coisas que me deitam completamente abaixo e me fazem sentir com cem anos em cada ombro: a primeira é quando os meus netos invariavelmente desenham as avós de carrapito, chinelos, bengala e uma corcunda que as faz curvadinhas até ao chão; a segunda é quando leio a lista dos premiados com os Grammy – e não faço a menor ideia de quem sejam.
É terrível.
Porque eu gosto muito de música, porque eu oiço muita música, porque eu não passo sem música, porque eu sou daquela geração que ainda compra CD´s e não faz downloads nem pirateia nada.
Durante muitos anos eu estive sempre a par do que se ia ouvindo. Sabia os nomes dos intérpretes, conhecia-lhes as vozes, trauteava as suas cantigas.
De repente, não conheço ninguém.
Olho aquela lista e todos me parecem ET’s de uma galáxia desconhecida (pronto, está bem, conheço o Springsteen, mas esse é um moço da minha criação, que nem entendo o que está a fazer ali).
Mas há uma Amy Winehouse, que se fartou de ganhar coisas, e um Kanye West que também levou para casa uma data de prémios, e de quem, até hoje, eu desconhecia completamente a existência. (E se ganharam tanta coisa é porque devem ser muito bons!) E mais um rol de nomes, que também devem ser excelentes, mas que me são completamente desconhecidos.
E a minha ignorância musical só não é totalmente vergonhosa porque a minha neta mais velha teve a caridade de me dar umas (brevíssimas) dicas sobre a arte de um tal Justin Timberlake, também premiado, e que ela, ao que parece, curte bué.
Mas o mais estranho é que isto só me acontece com a música. Nos Óscares, nos Globos de Oiro, nos Emmy’s - posso não ter visto tudo mas, caramba!, sei de que é que estão a falar. Com maior ou menor intimidade, conheço aquela gente.
Resumindo: devo andar a ouvir a música errada, a comprar os CD’s errados, a sintonizar as estações de rádio erradas.
Tenho rapidamente de me pôr em dia. Com algum esforço e muita aplicação, sou capaz de lá chegar. E pode ser que então os meus netos, nos seus desenhos, ao carrapito, aos chinelos, à bengala e à corcunda, tenham a gentileza de juntar um Ipod ou um MP3.
«JN» de 17 de Fevereiro de 2008
Etiquetas: AV
4 Comments:
Adorei o texto!
A solução que eu utilizo, para me manter a par, é sintonizar uma estação de rádio diferente a cada dia. A particularidade é que eu nunca largo os meus "headphones", mas isso é porque a minha profissão a isso obriga (e permite).
Alice,que não te conheço
~convito-te a ouvir a Amy Winehouse e vais ver que não estás assim tão velha...
mas ouve...ouve bem !!!
(Springsteen feelings)
A velocidade com que surgem novos nomes é a mesma com que desaparecem. Fica o que vale a pena, os que merecem.
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