17.3.08

A Responsabilidade Civil dos Contribuintes

Por J.L. Saldanha Sanches
NÃO LHE TERÁ ACONTECIDO, em qualquer circunstância da sua vida, ter sido menos bem tratado por um serviço público do que aquilo que consideraria normal?
Se pensar bem, vai certamente descobrir que sim. Os serviços públicos estão consideravelmente desorganizados e é pouco provável que não tenha uma qualquer razão de queixa.
Não se lamente e transforme a sua queixa numa interessante possibilidade de enriquecimento; segundo o art. 8.º da Lei 62/87 “Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos e que resultem de acções e omissões ilícitas, em princípio por eles cometidas com dolo ou culpa leve...” Com dolo ou culpa leve.
O legislador pensou bem no caso: basta culpa leve na actuação do serviço para responsabilizar o Estado. Oferecendo interessantes possibilidades de actuação para quem tenha espírito de iniciativa.
Por exemplo: o empresário X teve de esperar três anos para conseguir uma qualquer licença porque os serviços não lhe respondiam. Prejuízos financeiros criados pelo atraso do investimento: cinco milhões de euros. Culpa leve, houve com certeza. Uma acção contra o Estado, e os contribuintes devem pagar-lhe os cinco milhões.
No próximo investimento, em vez de estar preocupado com o que vai obter com a exploração do negócio, vai preocupar-se principalmente com o que vai conseguir do Estado.
Se já houve lei com capacidade para desenvolver e incentivar uma indústria – o assalto desenfreado aos bolsos do contribuinte por meios inteiramente lícitos – foi esta. Uma outra e espantosa vantagem é que vai dispensar os responsáveis de qualquer esforço para melhorar os serviços: que há de mal em esperar dez anos por uma decisão judicial se depois obtenho uma gorda indemnização?
No art. 12.º prevê-se que sempre que seja violado o prazo para uma decisão judicial em prazo razoável haja também responsabilidade e dever de indemnizar: os atrasos da justiça não têm por isso de ser corrigidos, têm que ser aumentados.
Abençoemos o ministro que com a sua inércia ou a sua incapacidade os tenha tornado ainda maiores: aumentou as nossas possibilidades (e as dos nossos advogados) de enriquecer processando o Estado. Em vez do direito à decisão tempestiva, o direito à sentença atrasada.
A lógica profunda desta lei é que o Estado irresponsável responsabiliza os contribuintes. E já agora exploremos o mais intensamente possível explorar as suas disfunções. Alargando os pressupostos da responsabilidade do Estado e dos seus agentes e permitindo aos cidadãos mais hábeis na arte da chicana a exploração de um indústria com resultados garantidos.
Se houvesse um concurso internacional para escolher a norma jurídica que correspondesse melhor ao modelo “a lei que mais eficientemente fomentasse a captura de rendas“ esta ganharia com certeza.
PS: Os funcionários das finanças estão a olhar com preocupação para esta lei e a pensar nas suas possíveis consequências. No seu lugar olharia outra vez. Quando as acções começarem ser desencadeadas (se é que não começaram já) vai ser tarde.
«Expresso» de 15 Mar 08 - http://www.saldanhasanches.pt/

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4 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Vejamos agora o problema pelo lado do prejudicado, pegando no exemplo dado pelo autor:

«...o empresário X teve de esperar três anos para conseguir uma qualquer licença porque os serviços não lhe respondiam. Prejuízos financeiros criados pelo atraso do investimento: cinco milhões de euros»

Ora se, de facto, isso sucedeu (o que seria provado em tribunal), não vejo porque é que o empresário não há-de ser ressarcido (e, já agora, o responsável pela incúria punido).

Se uma empresa qualquer me causar prejuízos por incúria ou incompetência dos seus funcionários, eu posso pedir indemnização pelos danos sofridos. Há até seguros para isso.

Então, porque é que há-de ser diferente no caso do exemplo dado no 'post'?

17 de março de 2008 às 14:57  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Vejamos agora o assunto ao contrário, recorrendo a outro exemplo :

Devido a incúria de alguém da CP (ou da TAP), um determinado comboio (ou avião) atrasa-se.
No seguimento desse facto, uns tantos passageiros alegam (podendo prová-lo) que tiveram prejuízos graves (como. p. ex., terem perdido um determinado negócio milionário).

Como se sabe, não terão sorte nenhuma, para além de poderem receber uma percentagem do custo do bilhete.
Será justo?

Mas este exemplo talvez não seja bom porque faz parte do senso-comum que os comboios e os aviões se atrasam, pelo que ninguém, no seu perfeito juízo, fará depender do cumprimento dos respectivos horários um negócio de milhões.

Mas será também assim no caso do exemplo que S. Sanches dá?

17 de março de 2008 às 18:42  
Blogger Sepúlveda said...

É só pela diferença de alguns dias (avião/comboio) e alguns anos (serviçoes púlicos).

17 de março de 2008 às 23:22  
Blogger andrecruzzzz said...

o que me assusta é a unanimidade aceite e já nunca contestada de que ninguém no estado s irá preocupar muito em tornar os serviços mais eficientes por causa desta lei...esse é o nosso fatalismo, o fsdo da portugalidade..

18 de março de 2008 às 01:13  

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