19.4.08

Brioches

Por João Paulo Guerra
Portugal não é o Haiti, o Egipto ou os Camarões.
AINDA NÃO HÁ agitação social perante a expectativa da fome e talvez o país não venha a enfrentar uma guerra do pão. Mas lá que os preços disparam, isso disparam e consideravelmente acima dos salários contidos pelas baias da ficção da inflação prevista. O leite, o queijo e os ovos constituem para já o grupo de alimentos mais atingidos por maiores aumentos de preços. Haviam de tocar pela porta deste país vulnerável, dependente e entregue aos mais vorazes apetites e interesses alguns dos efeitos da crescente substituição de solos da agricultura para a produção de biocombustíveis, com vista a manter em circulação a indústria e o comércio automóveis, acrescidos por outras alterações mundiais na produção, especulação e consumo de cereais. E aí está o leite a puxar os preços da alimentação substancialmente para cima e os hábitos de consumo drasticamente para baixo. Vai passar à história a geração dos portugueses que cresceram com o salutar consumo regular do leite em casa e até nas escolas. A nova geração que coma brioches. De plástico!
Mas o mais original factor do disparo da inflação em Portugal é o aumento brutal dos preços dos serviços hospitalares. “Tendencialmente gratuitos”, como mandaria a Constituição da República se fosse respeitada e mandasse alguma coisa, os preços dos serviços de saúde subiram mais de 80 por cento no espaço de 12 meses, com o aumento das taxas moderadoras.
As taxas para “moderar” o recurso dos doentes portugueses ao Serviço Nacional de Saúde subiram cinco vezes mais em percentagem que o aumento de preços destinado a abrandar o consumo dos malefícios do tabaco. Refinada hipocrisia é o que isto revela.
«DE» de 18 Abr 08 - c.a.a.

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4 Comments:

Blogger Rui Fonseca said...

O principal mal que aflige Portugal é a atávica propensão para a lamentação dos seus intelectuais. Em Portugal não se pensa, chora-se.

Cada um em seu canto, choram desesperadamente os mais lidos e ouvidos comentadores em jornais, blogues, na televisão, na rádio.

E a maior tragédia é que quem ouve e lê, gosta disso. Lambe-se. Não fosse esse o caso, a choraminguisse não ganharia a vida.

Chora-se por tudo e por nada. Quando não há grande coisa para chorar, amplia-se.

O maior chorador, Vasco Pulido Valente, chora até pelo não e pelo contrário. Ouvindo-o chorar, larga o resto dos comentadores e analistas aos berros. E já se sabe: com o choro em coro o berreiro aumenta exponencialemente em decibeis.

Agora, vai haver falta de pão. E de leite. Os preços vão escalar até ao insuportável. A fome dizimará.

Admitamos que as ameaças acontecem.
Resolvem-se chorando? É por chorar que vamos continuar a mamar?

Não é.

Se queremos resolver os problemas, se queremos afastar as ameaças, não devemos sentar-nos à beira da estrada e lamentar-nos a quem passa.

O que devemos é discutir soluções, ideias, revoluções até.

Não, definitivamente não, não é com lamentações que se ultrapassa o muro.

19 de abril de 2008 às 15:03  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Portugueses gastaram 71,14 M€ em taxas moderadoras em 2007

Os portugueses desembolsaram no ano passado 71,14 milhões de euros (M€) em taxas moderadoras, em que mais de dois milhões de euros dizem respeito às novas taxas de internamento, que se encontram em vigor desde Abril de 2007.
De acordo com os dados divulgados hoje pelo Ministério da Saúde, a que a Lusa teve acesso, as taxas de internamento, tal como as de cirurgia de ambulatório, entraram em vigor a 1 de Abril de 2007, tendo sido cobrado nesse ano, cinco euros por dia de internamento (até um limite de dez dias) e dez euros por cirurgia de ambulatório.

Estes valores foram entretanto actualizados, passando para 5,10 euros por dia de internamento e 10,20 euros por cirurgia de ambulatório.

Em 2007, os portugueses gastaram 71,14 milhões de euros em taxas moderadoras, dos quais 2,42 milhões de euros foram cobrados como taxas de internamento, entre Abril e Dezembro de 2007.

As taxas moderadoras da cirurgia de ambulatório estão registadas e cobradas no módulo dos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT), tendo no ano passado cobrado 15,94 milhões de euros.

A criação das taxas de internamento e de cirurgia do ambulatório foi anunciada em 2006 por António Correia de Campos, o antecessor da actual ministra da Saúde, Ana Jorge. Na altura, Correia de Campos garantiu à Lusa que esta medida não tinha fundamentos económicos.

Diário Digital/Lusa
18-04-2008 16:21:17

19 de abril de 2008 às 15:14  
Blogger Florêncio Cardoso said...

Admito que tem alguma lógica que se imponham taxas dissuasoras de falsas urgências.

Mas quando falamos de INTERNAMENTOS e de OPERAÇÕES CIRÚRGICAS (invenção de Correia de Campos), estão a brincar connosco, não estão?

Note-se o valor das verbas em causa, quando o Estado deixa prescrever, só em dívidas fiscais bem documentadas, centenas de M€/ano (foram 700 M€ em 2006 e 760 M€ em 2007).
E lembremo-nos de que o próprio Ministro das Finanças veio dizer que estas centenas de milhões perdidos não têm importância, são pouca coisa (se eu não tivesse ouvido dizer isso da boca dele, na TV, não acreditava).

19 de abril de 2008 às 15:27  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Há certas notícias que, lidas isoladamente, passam mais ou menos desapercebidas. Mas, colocadas ao lado de outras, dão que pensar.
É o que sucede com os 2 milhões e tal de euros cobrados como taxas de internamento hospitalar e a notícia de hoje:

«O Governo deu um subsídio de 2 milhões de euros a Tiago Monteiro para correr na Fórmula Um em 2006, verba que está entre as mais altas pagas pelo Instituto do Desporto. O secretário de Estado Laurentino Dias endossa, porém, as responsabilidades para o Executivo de Santana Lopes, que começou a negociar com o piloto»

Mas não falta o inevitável "a culpa foi do governo anterior"

19 de abril de 2008 às 17:14  

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