2.4.08

Uma questão de honra

Por Baptista-Bastos
O EPISÓDIO OCORRIDO entre António Borges e o ministro Manuel Pinho, em que aquele acusa este de perseguição, digamos económica, por delito, digamos de opinião, constitui um modo mais larvar, mas igualmente insuportável, dos desamparos e das incongruências deste Governo. Adianto, porém, que este pecado capital não é pertença exclusiva do Executivo Sócrates. Os imperativos da moral não são, infelizmente, virtudes que beneficiem a verdade, porque a "verdade" política está ausente do entendimento normal. E a história da II República, saída do 25 de Abril, não representa, propriamente, um modelo de santidade.
A perseguição, por motivos políticos, é prescrita com a recusa do outro, em favor de uma outra "verdade". E alguns preopinantes, dados à indignação momentânea, esqueceram-se, com inaudita destreza, de quando perseguiram ou foram cúmplices de perseguições. Excluir, anular, omitir são sinónimos de sanear. No tempo do fascismo, poetas e prosadores como Sophia de Mello Breyner Andresen, Urbano Tavares Rodrigues, Alexandre Cabral, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel da Fonseca, Augusto Abelaira, outros, muitos mais outros, foram riscados pela Censura, e nenhum jornal podia imprimir os seus nomes, sob risco de pesadas sanções. O processo, agora, não é institucional: obedece a birras, a antagonismos ideológicos, a ajustes de contas, à coacção de lóbis - até sexuais. As coisas não vão bem e a irresponsabilidade favorece a propagação de um subdesenvolvimento moral e a degradação da solidariedade. A Imprensa acompanha, zelosamente, as regressões democráticas, e associa-se, na generalidade, à fragilização do sentido ético que a devia sustentar. Conheço casos alarmantes de supressões de nomes de escritores, actores, pintores, arquitectos, em jornais cujos directores posam de impolutos democratas. Um deles, poeta menor, articulista sem perigo, sofre de complexos rancores que tocam a degradação do civismo mais elementar.
A aceleração do tempo parece ter acelerado a ruína da consciência sobre o vivido. Se a afirmação de António Borges é verdadeira, os desmentidos de Manuel Pinho são gravíssimas avarias de carácter. É-me extremamente penoso pôr em causa as evidências aceitas como tal. Porém, há manifestas contradições e embaraços mal cerzidos na defesa de Pinho. Depois, nem o manto diáfano da fantasia cobre, totalmente, a crueza da verdade. Os antecedentes provocam preocupações naqueles que exigem de quem os governa o carácter translúcido das decisões tomadas.
De qualquer modo, a acusação de António Borges parece surgir um pouco fora de tempo - ou, acaso, obedece a uma estratégia de poder. Quanto a Manuel Pinho, escarmentado na praça pública, só lhe resta reabilitar a honra amolgada.
«DN» de 2 Abr 08

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2 Comments:

Blogger Jack said...

Começo a ficar preocupado ...

2 de abril de 2008 às 10:01  
Blogger vieiradospneus said...

Santana despediu Borges

O Governo de Pedro Santana Lopes informou, no final de 2004, a Goldman Sachs (GS), banco de investimento britânico do qual António Borges era managing director, de que pretendia denunciar o contrato de consultoria financeira que tinha com a instituição, no âmbito da reestruturação do sector energético.


Ao que o CM apurou, em 14 meses de consultoria prestada para oEstado português, a Goldman facturou 2,3 milhões de dólares (1,470 milhões de euros).

António Borges, que deixou de pertencer aos quadros do banco, no seguimento de uma medida de redução de pessoal tomada em virtude da crise do subprime, disse no domingo, em entrevista ao ‘Público’, que a sua participação no Congresso do PSD em 2005 desencadeou uma retaliação do Governo sobre aquele banco de investimento. "O Congresso teve lugar no fim-de-semana e na segunda-feira, logo de manhã, fui chamado ao gabinete do ministro Manuel Pinho, que me comunicou que todos os contratos com a GS estavam cancelados a partir daquele momento."

Só que, segundo fontes conhecedoras do processo, o Estado português mostrouinteresseemdenunciar ocontratocomaGoldmanjáno final de 2004, quando o Governo era liderado por Pedro Santana Lopes. "A 2 de Dezembro de 2004, a Parpública [holding do Estado para as empresas públicas] informou os advogados do banco de investimento de que não existia a necessidade de continuar o contrato", precisa-se. E o secretário de Estado do Tesouro, Morais Leitão, foi também informado da situação, até porque "os custos inerentes a este contrato eram elevados". Por isso, a 6 de Abril de 2005, já no Governo de José Sócrates, a Parpública propõe a denúncia do contrato. O Congresso do PSD realizou-se entre 8 e 10 de Abril, em Pombal. Para terminar o contrato com a GS foi invocado o chumbo da Comissão Europeia (CE) ao plano de reestruturação do sector energético do ministrodaEconomia, Carlos Tavares. Como a CE não aprovou a concentração do negócio do gás natural na EDP, considerou-se que "não fazia sentido continuar o contrato a GS". O CM chegou à fala com António Borges que não quis fazer comentários.

O CONTRATO

FACTURAÇÃO TOTAL

O contrato entre a Parpública e a Goldman Sachs (GS) foi assinado em 1/2/2004, no Governo de Durão Barroso. Entre esta data e Abril de 2005, quando o contrato terminou, a GS recebeu do Estado português 2,3 milhões de dólares. O valor total do contrato previa, caso fosse cumprido, uma verba de 4,7 milhões de dólares.

CEM MIL DÓLARES/MÊS

Pelo contrato com o Estado, a GS recebida avença mensal de cem mil dólares; 300 mil dólares quando fosse vendida parte da REN à EDP; 1,5 milhões de dólares quando fosse concretizada a compra da posição da ENI na Galp; e 1,5 milhões de euros de dólares quando a Gás de Portugal fosse vendida à EDP.
http://www.correiodamanha.pt/noticia.aspx?contentid=F0A8E34B-9FE1-483B-8BF5-EDFE91F746A5&channelid=00000090-0000-0000-0000-000000000090

2 de abril de 2008 às 13:57  

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