11.6.08

Mais uma vez a feira

Por Alice Vieira
BERRARAM, espernearam, prometeram, ameaçaram, amuaram, cancelaram, descancelaram, pararam, recomeçaram, boicotaram, desboicotaram – mas a Feira do Livro abriu.
No lugar de sempre.
Naquele magnífico cenário de “Lisboa, Tejo e tudo” – a Lisboa revisitada de Álvaro de Campos.
A Feira - que já faz parte da cidade, ponto de encontro obrigatório nesta altura do ano, mesmo para quem nunca há-de ler um livro na sua vida.
A Feira — com crise ou sem ela; com grandes grupos e minúsculas editoras; com cheiro a farturas e a pipocas; com piqueniques (com ou sem as burguesas do Cesário) na relva dos fins de semana; com o Dia da Criança transpirado, gritado, choramingado, “encontrou-se um menino que se entrega a quem provar pertencer-lhe”, e os nossos ouvidos a estremecerem à velocidade de 60 balões rebentados por segundo; e, evidentemente, com toda a gente a vaticinar as desgraças de sempre e a dizer que “para-o-ano-é-que-as-coisas-têm-de-levar-uma-grande-volta-olá-se-têm”.
A Feira – sempre a lutar contra as adversidades do costume: porque está uma ventania e uma chuva, o que afasta os visitantes, os quais, obviamente, preferem ficar em casa; porque está um sol de derreter ananazes, o que afasta os visitantes que, obviamente, preferem ir para a praia; porque é tempo de “Rock-in-Rio”, o que afasta os visitantes que, obviamente, preferem ir berrar para o alto da Belavista; porque vem aí o futebol, o que afasta os visitantes que, obviamente, preferem sofrer na sala diante do televisor; porque é mês de arraiais e Santo António, o que afasta os visitantes que, obviamente, preferem espalhar-se nas escadinhas de São Miguel ao som do “olha o fungagá, olha o solidó”
Nunca houve – pelo menos desde que me lembro de ser gente — um ano em que da Feira se pudesse dizer “benza-te Deus, desta vez estava tudo nos conformes”.
Até porque protestar na Feira e sobre a Feira é, de há muito, um desporto lisboeta.
Porque as barracas são muito altas e não deixam ver bem os livros. Porque as casas de banho encontram-se, como os foragidos da lei, em parte incerta.
Porque os descontos já não são o que eram (se é que alguma vez foram o que dizem…).
Porque os alfarrabistas cada vez estão mais desfalcados.
Porque os escritores estão ali como se estivessem a despacho, correndo todos os leitores, admiradores e afins a ”cordialmente”, na melhor das hipóteses “ com um abraço”, e não foi para isso que o pessoal aguentou horas na bicha, desculpem, na fila dos autógrafos.
Porque falta uma tasca com bifanas.
Porque o livro que a gente guardou para comprar na Feira dizem-nos agora que está esgotado.
Porque aquela rampa custa a subir como o diabo e a gente já não vai para nova.
Mas o que é facto é que, desde o dia em que abriu — e, se bem se recordam, chovia que Deus a dava…- a Feira do Livro está cheia de gente.
A Feira do Livro, que se anunciava como a Feira da Polémica, está mais consensual que nunca.
As listas afixadas nos pavilhões com os nomes dos autores que prometeram estar presentes – e têm cumprido…— são maiores que a Légua da Póvoa.
Também aqui, ao que parece, funcionou às mil maravilhas as técnicas habituais da publicidade: o que é preciso é que falem de nós. Bem ou mal, tanto faz.
«JN» de 8 de Junho de 2008
NOTA (CMR): para ilustrar esta crónica, escolhi duas imagens que mostram os dois modelos de barraquinhas (o "habitual" e o da LEYA) cujas diferenças motivaram o atraso do evento.

Etiquetas:

2 Comments:

Blogger Antunes Ferreira said...

Minha querida Alice
Mais um ano de Feira, mais um ano a percorrê-la - apesar da «tal» subida - mais um ano a tirar dela o prazer de todos os anos, pois, salvo os que estive em Angola (oito) quase não falhei uma.

O meu Pai, que não era um literato, nem sequer muito dado a leituras, levava-me lá - para eu aprender a gostar de livros, dizia-me. O que, para ele, tinha uma enorme importância. Primeiro, não entendi; depois, tornei-me militante.

Mas este ano a nossa Feira, com polémica ou sem, teve para mim um sabor muito especial: fui lá dedicar, assinando-o a quem por lá passasse, o me(a)u primeiro livro de ficção, o «Morte na Picada» de que este blogue tanto falou.

E, para mais, uma outra felicidade: tu, minha querida Alice, foste à tenda das Pequenas Editoras para eu te autografar a obra. Coisa estranha: eu que tenho quase todos os teus livros com dedicatória, tive, agora, a oportunidade que nunca esperaria. Tê-la-ei merecido?

Por isso a Feira deste ano fui para mim um desfloramento. Literário, claro. Bem hajas, Alice, por ter apadrinhado o parto imediato. Quais nove meses, qual quê...

11 de junho de 2008 às 23:37  
Blogger DEANA BARROQUEIRO said...

É sempre um prazer ler-te, Alice, porque mesmo quando falas das coisas más ou absurdas nos deixas com um sorriso nos lábios e na alma, pela graça inteligente das tuas palavras e eu sinto, em cada uma das tuas crónicas, que disseste tudo o que havia para dizer sobre cada assunto que tratas.
É uma honra e um privilégio conhecer-te e sinto-me mais escritora quando oiço anunciar o meu nome na Feira do Livro junto ao teu, para as sessões de autógrafos. E, sabes uma coisa? Apesar de meia cega, escrevo dedicatórias enormes a todos os leitores, por sentir uma grande gratidão (ou será qualquer coisa semelhante à amizade?) por aqueles que desejam ler as minhas histórias.

Um grande abraço
Deana Barroqueiro

12 de junho de 2008 às 01:28  

Enviar um comentário

<< Home