2.8.08

Estatuto maldito

Por Antunes Ferreira
E, DE SUPETÃO, o Chefe do Estado falou ao País. Ao País é uma forma de dizer. Os que o viram e ouviram – e que esperavam uma intervenção pesada, a propósito do «estado da Nação» - ficaram desapontados e admirados. Ao que se sabe, tirando o círculo habitual do inquilino de Belém, ninguém mais sabia sobre o que Cavaco Silva iria dissertar. Ainda com essa ressalva, o primeiro-ministro, sim. Mal parecia que assim não fosse.
O motivo da declaração era o Estatuto dos Açores, melhor dizendo, muitos dos termos do novo Estatuto Político-Administrativo daquela Região Autónoma. O Presidente mostrou-se preocupado com a possível inconstitucionalidade do diploma. A 4 de Julho, tinha pedido ao Tribunal Constitucional a fiscalização do documento que fora aprovado no mês anterior no Parlamento, por unanimidade. Um verdadeiro Estatuto maldito. O TC considerou inconstitucionais oito das 13 normas apreciadas.
Ora bem. O mais alto mandatário especificou que se tratava «acima de tudo, da norma relativa à dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores que (...) restringe o exercício das competências políticas do Presidente da República, pondo em causa o equilíbrio e a configuração de poderes do nosso sistema político previsto na Constituição». Deste modo o Parlamento açoriano teria mais poder do que a AR. E com este estatuto, o PR também perderia poderes que estão consagrados na Constituição da República.
O PS preferiu remeter quaisquer reacções para os dirigentes regionais. Vasco Cordeiro, líder do partido nos Açores, considerou que a comunicação de Cavaco constitui uma «atitude que confirma a visão centralista e redutora das autonomias regionais que tem sido apanágio do actual titular do cargo». E anunciou: «… reconfirmaremos, na íntegra, todas as normas sobre as quais não exista um juízo de inconstitucionalidade».
«Não foi novidade a posição do TC nem as dúvidas do PR. Era um tema já muito discutido na AR sobre o qual o PSD já tinha alertado para as questões que se levantavam neste estatuto», afirmou Ferreira Leite, que garantiu que ia sensibilizar o grupo parlamentar do seu partido para as questões levantadas por Cavaco Silva, «com as quais me identifico».
«Em relação às normas sobre as quais já incidiu o juízo de inconstitucionalidade mantemos a disponibilidade de encontrar uma fórmula parlamentar para expurgar o diploma das suas inconstitucionalidades», garantiu Nuno Melo, deputado do CDS-PP. «Não faremos o que faz o Partido Socialista, que se limitou a ignorar as preocupações do chefe de Estado».
Por seu lado, João Semedo, deputado do BE, disse que o seu partido irá «empenhar-se para, tão rapidamente quanto possível, a AR ultrapasse as inconstitucionalidades» encontradas. «É importante que os Açores disponham de um novo Estatuto».
O PCP afirmou estar «disponível para ajudar» a que o novo Estatuto Político-Administrativo da RAA seja «rapidamente aprovado». O líder parlamentar, Bernardino Soares, recordou que «todas as questões levantadas pelo PR foram também suscitadas pelo PCP e por isso estamos à vontade para dizer que devem ser corrigidas».
Em Setembro, portanto, na reabertura dos «trabalhos parlamentares» o novo Estatuto voltará aos carris da Constituição e tudo não terá passado de um pesadelo para Cavaco Silva e uma tempestade num copo de água para os políticos profissionais. Na Madeira, depois de uma vez mais ter insultado, de forma malcriada e inadmissível, o primeiro-ministro, Jardim observa, cala-se e lança gargalhadas, em privado e por enquanto. Até à próxima.

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