29.10.08

A felicidade das doenças

Por Alice Vieira
OS AUTOCARROS são o ponto de encontro de todas as mulheres doentes de Lisboa.
Mesmo que anteriormente vendam saúde, chegam ali e zás!, ele é o reumático, ele é o fígado, ele são os rins, ele é o coração, ele são os nervos.
Não há como uma bela doença (sobretudo se acompanhada por uma série de análises “que nunca dão nada, mas eu é que me sinto”) para estabelecer uma onda de solidariedade entre quem vai sentada e quem vai de pé. Não sei porquê, mas os homens nunca entram nesta anedota. Olham para elas em silêncio, às vezes encolhem os ombros, mas não mais do que isso. Ali, doença é património feminino.
E os autocarros transformam-se numa espécie de sala de espera de um centro de saúde ambulante, onde o médico nunca chega e a consulta acaba por ser desmarcada, e cada uma desce na sua paragem — senão curada, pelo menos muito mais reconfortada.
(...)
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