10.3.09

Cavalaria

Por João Paulo Guerra

Se José Lello ainda fosse, como já foi, senhor de um saudável sentido crítico e espírito de humor, oferecia a si próprio o livro “Uma carga de Cavalaria”, de Manuel Alegre.
O ENREDO DO LIVRO passa-se durante a guerra colonial, e tem como personagens um oficial de Cavalaria que recebe por missão prender um outro sobre quem recaem suspeitas de desvio político em relação ao situacionismo vigente. Acontece que o oficial se envolve num duro conflito consigo próprio quando reconhece que tem problemas de consciência em assumir um papel na repressão das ideias e das liberdades do seu camarada de armas.
Em tempos não muito recuados, o país político esperava com alvoroço as propostas de ofertas de livros de José Lello, pois num cenário acanhado e cinzento fazia muita falta a ironia e irreverência. Lello observava os circunstantes, estudava-lhes os comportamentos e zás... distinguia-os com a sugestão de um título. Era em geral um fartote, com publicação certa nos jornais. Depois, o exercício do poder terá contaminado José Lello com o vírus da sensaboria. Subiu na hierarquia do Estado e do partido e tornou-se um político como os outros. A precisar que alguém lhe sugerisse que lesse. É uma pequena tragédia da comédia política portuguesa.
O poder tem artes de transformar simples mortais, feitos de carne e osso como os meros eleitores, em fedúncios maçadores e monocórdicos, cheios de si e da sua importância, que se atribuem a missão de correr com os infiéis e salvar a Pátria.
Falta acrescentar que em relação ao livro "Uma carga de Cavalaria", de Manuel Alegre, qualquer semelhança com episódios ou personagens da actualidade é pura coincidência. Não estamos em guerra. Pelo menos que se saiba.
«DE» de 10 de Março de 2009

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4 Comments:

Blogger Isaac Baulot said...

Pois Manuel Alegre escreveu esse livro sobre assuntos que, sendo desertor, não conhecia directamente.

Os factos de que fala no livro devem-lhe ter sido contados por camaradas do seu partido de então, o Partido Comunista.

Parece que esse conflito do herói do livro de lutar contra camaradas é uma má consciência de Manuel Alegre mas não é problema de maior, já que ele o conseguiu ultrapassar várias vezes.

10 de março de 2009 às 22:23  
Blogger Isaac Baulot said...

Mais alguém ouviu Manuel Alegre prostrar-se perante Eduardo dos Santos e perorar sobre a democracia em Angola?

11 de março de 2009 às 01:04  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Manuel Alegre cumpriu o serviço militar em Angola.

11 de março de 2009 às 11:56  
Blogger Isaac Baulot said...

Manuel não "cumpriu" o serviço militar em Angola, uma vez que desertou.

A guerra começou em Angola em 1961, ano em que M.A. foi colocado nos Açores e em 1962 foi mobilizado para Angola. Desertou da sua unidade militar em pleno teatro-de-operações. Por tal facto, foi mandado de regresso a Coimbra e aguardava julgamento em tribunal militar; nessa circunstância, “deu o salto” a caminho de Argel.

11 de março de 2009 às 22:19  

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