A doença prolongada
Por Joaquim Letria
ATÉ HÁ POUCO TEMPO, como devem estar lembrados, morria-se nos jornais de “doença que não perdoa”, ou de “doença prolongada”, sendo ambas maneiras as sofisticadas para se falar de cancro, enfermidade que não pertencia ao léxico da Imprensa para não chocar o respeitável público com o temível mal.
Do coração, ou duma embolia cerebral, também se morria, num caso e noutro de “doença súbita e mortal”, assim como o suicídio era geralmente designado por um “tresloucado acto”.
De há pouco tempo para cá, na Imprensa, estas mortes passaram a ser tratadas de modo substancialmente diferente. Passou a poder morrer-se de cancro nos jornais, ou a vencer-se a terrível doença, e os suicidas já se matam por isto e por aquilo e por “dá cá aquela palha”.
As “doenças súbitas e mortais” contribuem menos para as páginas sociais porque são muito rápidas. As pessoas não morrem. Desaparecem, deixam de aparecer, não estão mais entre nós e as famílias são ocupadas por contas rápidas e zangas inesperadas. O cancro ganhou direito a referências até há pouco impensáveis.
Não sei o que é melhor. Se o olhar piedoso e discreto sobre os últimos momentos dos que merecem referência pública, aos quais se procurava cobrir com um manto de dignidade e compaixão, sabendo-se tudo à boca pequena. Se a crueza desta exposição actual de quem dificilmente pode estar em recolhimento. Começa a perder-se, também, a nossa estranheza por uns quantos gostarem de morrer nas bocas do mundo.
ATÉ HÁ POUCO TEMPO, como devem estar lembrados, morria-se nos jornais de “doença que não perdoa”, ou de “doença prolongada”, sendo ambas maneiras as sofisticadas para se falar de cancro, enfermidade que não pertencia ao léxico da Imprensa para não chocar o respeitável público com o temível mal.
Do coração, ou duma embolia cerebral, também se morria, num caso e noutro de “doença súbita e mortal”, assim como o suicídio era geralmente designado por um “tresloucado acto”.
De há pouco tempo para cá, na Imprensa, estas mortes passaram a ser tratadas de modo substancialmente diferente. Passou a poder morrer-se de cancro nos jornais, ou a vencer-se a terrível doença, e os suicidas já se matam por isto e por aquilo e por “dá cá aquela palha”.
As “doenças súbitas e mortais” contribuem menos para as páginas sociais porque são muito rápidas. As pessoas não morrem. Desaparecem, deixam de aparecer, não estão mais entre nós e as famílias são ocupadas por contas rápidas e zangas inesperadas. O cancro ganhou direito a referências até há pouco impensáveis.
Não sei o que é melhor. Se o olhar piedoso e discreto sobre os últimos momentos dos que merecem referência pública, aos quais se procurava cobrir com um manto de dignidade e compaixão, sabendo-se tudo à boca pequena. Se a crueza desta exposição actual de quem dificilmente pode estar em recolhimento. Começa a perder-se, também, a nossa estranheza por uns quantos gostarem de morrer nas bocas do mundo.
«24 horas» de 2 de Outubro de 2009
Etiquetas: JL
1 Comments:
No jornal "O Crime" parece estar uma boa notícia "degola a namorada e suicida-se com vinho do Porto".
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