11.1.10

A voz da janela

Por Carlos Pinto Coelho

ERA UM HOMEM que toda a cidade conhecia e estimava. Estimava, sobretudo, pela sua força de ânimo, pela sua tranquila e permanente confiança na vida. Tinha tido bons e maus momentos, como toda a gente, mas nada mudava a sua vontade de andar para a frente, cumprindo o que tinha para cumprir, como toda a gente, e inventado coisas novas, criando ideias e palavras, agitando a rotina, fazendo de cada dia um dia para viver diferente, como se fosse o primeiro ou como se fosse o último. Por isso, toda a cidade conhecia e estimava aquele homem.

Mas ontem, já era ao cair da tarde, o homem abriu a janela da sua casa, lá em cima no prédio onde vive há tantos anos, e gritou para a cidade inteira ouvir: “Não vale a pena… deixem tudo como está… não mudem nada, não desarrumem nada, não inventem nada. Deixem andar o que está. Não vale a pena tentar… não vale a pena pensar… não vale a pena dizer nada!”

Depois, em voz baixa, para si mesmo:

“Mas para que é que eu fui dizer isto? Não valeu de nada…”

Fechou a janela e voltou lá para dentro, sozinho como nunca.

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2 Comments:

Blogger Eva Gonçalves said...

A ambiguidade permanente de quem quer intervir e contribuír para a mudança do status quo, e sente o desanimo permanente, fruto dessa inutilidade...
Cumprimentos

11 de janeiro de 2010 às 18:49  
Blogger Ribas said...

Hey!
Eu ouvi esse desabafo, ontem, ao fim da tarde.
Como a voz vinha lá do alto, obedeci imediatamente, o que me deu um jeitão, porque trabalho não me faltava. Larguei tudo a meio e vim para casa a assobiar todo contente.
Quando cheguei a casa, estava a minha mulher sentada no sofá a ver a novela e a falar descontraidamente com a amiga ao telefone. Contava ela que também tinha ouvido uma voz lá do alto, e claro, obedeceu.
Resultado disso, ontem à noite não houve janta.
Pronto, já que foi só um desabafo do bom homem, lá iremos retomar a rotina. E o ilustre vizinho pensando que o grito não tinha valido de nada. Lol

11 de janeiro de 2010 às 18:57  

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